Trairi - 25 de março de 1955. A Instalação do Município

 
Bandeira criada em 1973. Hino de José Silva Novo

Século XVII


Trairi, que tornou-se definitivamente município em 1951 (emancipação),  possui o marco, na história do Ceará, por ostentar a honra de abrigar, a partir de 1603, o então soldado, com 18 anos, Martim Soares Moreno, seus colegas de farda e índios da Paraíba e do Rio Grande do Norte, que acompanhavam o capitão-mor Pero Coelho, na pretensão de expulsar os franceses do Maranhão, por terra, desbravando os sertões do Siará Grande, tendo na Serra da Ibiapaba uma desgastante batalha. A primeira expedição do Ceará.


Guerreiro Branco e Jesuítas


 Após confronto contra os "invasores" e seus aliados, índios tabajaras, os poucos que restaram da equipe portuguesa acompanharam o líder potiguara Jacaúna , que em Trairi chefiava a comunidade conhecida por pitiguara, do Mundaú, passando pelo Rio Pará (Rio Curu, divisa com Paraipaba, antiga Passagem do Tigre), ao Pecém, onde hoje resiste seu tronco anacé. Ali, o jovem “Guerreiro Branco” teria vivido com uma índia, cujo amor iniciou na serra longínqua. Porém, uma relação ameaçada pelas suas constantes viagens, e consequentes batalhas, por ordem do Governado Geral, Diogo Botelho. Jacaúna, denominado pelos portugueses de "Algodão" ou "Camarão" (Poty, como seu irmão), por sua vez, alguns anos depois acompanhou os missionários durante a implantação de aldeamentos, como Arronches (Porangaba, depois Parangaba) e Paupina (Messejana). Cobra Azul, potiguara, teria ficado no seu lugar, nas imediações de Cana Brava, foz do Rio Trairi, e acompanhado os primeiros jesuítas à Ibiapaba.

Maria Pia: religiosa e historiadora

 A Versão da Historiadora


Conforme a historiadora, professora e religiosa Maria Pia de Sales, nascida em 1910. sua mãe lhe contara ter conhecimento, a partir dos mais velhos, inclusive descendentes indígenas, de que os acontecimentos narrados por José de Alencar em “Iracema” são verídicos, embora muitos estudiosos não aceitem. Particularmente, mesmo reconhecendo a ficção do livro, aprovo como sentido de fatos reais, de cunho histórico, ali narrados. Acentuo as posições de conceituados estudiosos, como Gustavo Barroso, Pompeu Sobrinho, Raimundo Girão e João Brígido, que corroboram em parte com o romancista cearense. Portanto, os pitiguaras foram sim os índios de Trairi, em terras tremembé cedidas aos potiguaras (PB/RN), povo que hoje, ao longo daquele litoral, até Caucaia, é conhecido por anacé.





Administração


  São Gonçalo e Trairi tiveram suas administrações subordinadas, por várias ocasiões, a Parasinho (Paracuru), mas na década de 1920 a Itapipoca. Em seguida, Trairi e Paracuru a São Gonçalo.
 Tornou-se vila pela primeira vez em 12/11/1863, tendo como intendente o Cel. Antônio Barroso de Souza, nomeado por D. Pedro II, que passou a morar na sede, vindo do Parasinho, desde então subordinado a Trairi até 1868, quando o mesmo se transferiu para Paracuru, voltando em 1874.
 Nesse ano, os três passaram a pertencer à Vila de Nossa Senhora do Livramento, uma homenagem à instalação da amada paróquia, numa grande festa, memorável, marcada por uma procissão, à frente o primeiro vigário, Padre Francisco José da Silva Carvalho, que foi membro da Comissão de Socorros às vítimas da grande seca de 1877-79, ainda na administração do Coronel Barroso.



Praça da Matriz em 1962


Disputa entre Coronéis



 Era uma briga entre os interessados (coronéis), buscas consideráveis pelo poder, parecia não ter fim. Com vagos acessos à informações, muitos não sabiam a qual vila pertencia. No dia primeiro de outubro de 1890, por exemplo, retornou a Paracuru, e um ano depois a São Gonçalo, que ainda não era “do Amarante”. Em 1920, Paracuru e N. Sra do Livramento passaram para Itapipoca, cujo promotor era o Antônio Ribeiro da Cunha (trairiense, conforme Maria Pia), com passagem por Acaraú. Os Ribeiro da Cunha descendem de abastada família portuguesa que se fixou em Cauípe, na antiga Soure, Caucaia, no início do século XIX. O Sr. Severiano Ribeiro da Cunha tornou-se um próspero comerciante em Fortaleza (firma Ribeiro da Cunha & Irmãos), e como filantrópico, fundador do Asílo da Parangaba, vice-provedor da Santa Casa e, ajudando a Igreja Católica, conseguiu de Dom Pedro II o título de Comendador da Ordem da Rosa, consequentemente Visconde de Cahuype (que se tornou o antigo nome da Av. da Universidade). Por falar em Soure, lembramos que o poeta Antônio Sales nasceu em Parasinho (Paracuru) na época em que pertencia a Trairi, e que sua família também é oriunda de Caucaia, o que nos leva a crer que os Sales de Trairi e Cemoaba têm origens naquele município, vide a coincidência com a época (1830).
  Um ano depois retornou para São Gonçalo. Em 30 de julho de 1926, Paracuru novamente como sede, com São Gonçalo sendo rebaixado a povoado, agora com o nome de Anacetaba, que recuperou o poder em 7 de agosto de 1935, e novamente os outros subordinados a ela. Aliás, esse nome esquisito, Anacetaba (Taba dos Anacés), está nos registros de muitos trairienses que nasceram naquela época, como o advogado e bancário aposentado Raimundo Linhares (Azevedo), do Mundaú.


Primeiro transporte motorizado: Mixtão do Sr. Antônio Galdino (1959)

 Finalmente, mais duas datas históricas: 22 de novembro de 1951, como sempre na base de Leis, com Trairi e Paracuru tornando-se independentes, desmembrados de Anacetaba, agora como municípios, e São Gonçalo recebendo “do Amarante”, sendo feito eleições e posses políticas no dia 25 de março de 1955, enfim instalados. 61 anos, mas para mim são muito mais, centenas, quando da chegada dos índios. Nem Martim Soares Moreno, que por ali se enfeitiçou, esteja onde estiver, faz ideia do tempo de encantos humanos por aquela terra.


Trahiry de Antônio Martins, o Libertador.


 Registro incontestável da grandeza trairiense. Em 31 de dezembro de 1883, durante os festejos da padroeira Nossa Senhora do Livramento, deu-se a libertação dos seus 249 escravos, num ato de grandeza cívica do poeta e jornalista António Dias Martins Junior, um dos maiores abolicionistas do Ceará, destacado membro da "Sociedade Cearense Libertadora", criador e redator do jornal abolicionista "Libertador", da "Cearense Libertadora", além de participante de grêmios literários. Antônio Martins era irmão do grande poeta Álvaro Martins, um dos fundadores da confraria de poesias "Padaria Espiritual", criador do "Centro Literário" e patrono da Cadeira 2 da "Academia Cearense de Letras". Portanto, foi um dos primeiros municípios brasileiros a dar cartas de alforria aos seus escravos, cinco anos antes da Lei Áurea de Isabel (1888).
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Em 1908, em tupi, no Almanaque dos Municípios Trahiry e Mundahú

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