Rock Cearense - O Heavy Metal e suas Origens - 1951 - 1986
Surgimento do Rock
Depois de mais uma
instabilidade política no Brasil, com a morte de Getúlio Vargas, autor de
garantias trabalhistas e idealizador da abertura do mercado para as
multinacionais, houve um direcionamento para a música internacional, abrindo
espaço para as grandes gravadoras americanas, que por estas terras, durante o
governo de Juscelino Kubitschek, a partir de 1956, introduziram um arsenal de
bandas e músicas que amedrontaram um dos orgulhos nacionais, a música
brasileira, na época popularizada pelo samba e bossa nova. Restrito a três gravadoras,
RCA Victor, Odeon e Columbia, passou a abrigar outras poderosas, que investiram
na novidade, na rebeldia dos jovens, com o rhythm blues, a progressão do
rock’n’roll.
Obviamente que o rock
já rolava. Consta que a negra evangélica americana Sister Rosetta possuía um programa gospel de rádio durante as décadas de 30 e 40, tendo como fãs Elvis Presley e Bob Dylan. Era o início do blues, influência marcante para o rock´n´roll, daí o apelido da artista, a primeira do gênero a assinar com uma gravadora, em 1938: Madrinha-Mãe. No início dos Anos 50 veio a explosão de Bill Haley & His Comets. Raridades assim por aqui chegavam pelos vapores do mar, clandestinamente, e
dificilmente tocavam nas emissoras de rádio, entregues à grandes grupos
nacionais e a carteis da imprensa ligados aos conservadores, como os Diários
Associados. Tanto que os brasileiros conheceram os "Cometas" através da versão de
Nora Ney. Aliás, a Jovem Guarda, adiante, foi o símbolo das versões, ou seja,
quase nada criativa. Com as gigantes RCA Victor, Capitol, Polydor e a inglesa
EMI, com suas subsidiarias, finalmente o Brasil introduziu no marcado a
avalanche de petardos de embaixadores do rock como Chuck Berry, Elvis Presley,
Little Richard, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins. Chegando a Fortaleza, por
exemplo, a famosa escola de língua inglesa IBEU organizou uma festinha à americana,
um famoso baile ao som de Bill Haley e seus Cometas, o pioneiro dançante, como
vemos nas telas de Hollywood. Devemos a Carlos Imperial o introdutor desses
músicos no Brasil, ao criar, no Rio de Janeiro, o Clube do Rock.
Por outro lado, o
cinema, lazer obrigatório da juventude, também influenciou para a propagação do
rock. Filmes como “O Selvagem” (1953, com Marlon Brando), “Sementes da
Violência” (1955. Em SP, o Cine Paulista mal tinha sido inaugurado e foi
semidestruído na primeira seção do filme), “Ao Balanço das Horas” (1956, que
conta o início do rock’n’roll nos EUA. Como vemos na foto, foi acompanhado pela polícia paulistana) e “Juventude Transviada” (1956, com
James Dean) são relíquias de importância fundamental na motivação ao protesto,
surgindo a rebeldia, símbolo da essência da música pesada.
No Ceará, lembremos os filmes que marcaram, como "The Song Remains the Same" (Led Zeppelin) e "The Wall" (Pink Floyd), lotando o Cine São Luiz, com fãs "montando barraca" internamente, e a Praça do Ferreira centro de encontros dos rockeiros. Momentos que jamais esqueceremos.
Na TV Ceará (Rede Tupi, Canal 2), o saudoso radialista e apresentador Paulo Limaverde, de família vinculada à imprensa, comandava o programa "TV Juventude", destacando essas bandas, na onda dos Beatles e Elvis Presley, e na Rádio Dragão do Mar o próprio "Seu Paulo" delirava os fãs com o programa "Hoje é Dia de Rock".
Mas os Anos 1970 trouxeram
enorme contribuição para a solidez do rock pesado. Em 1972, O Peso, ainda trio já fazia shows em "boites", e em 1975 levou o nome
do Ceará ao País. No efervescer do rock progressivo, mais as lojas abasteciam o mercado com expressões mundiais de então, não tardando, a nível local, para surgir expoentes voltados para o estilo: Os Brothers, Simone "Mona" Gadelha, Excallibur, A Concha, Arame Farpado, Boca da Noite, Cânticos de Lúcifer e,
batendo mais pesado, a precursora do heavy metal no Ceará, Perfume Azul (do final dos Anos 1960, mas retomando firme a partir de 1976).
Liderado pelo vocalista Clemilton Barreira (o Rafa), que também comandou a Máquina Lola, a Perfume
Azul destacou-se em muitos shows interdependentes, rompendo barreiras durante a ditadura militar. Nos dias 7 e 8 de julho de 1978 tocou, ao lado de Wagner Costa, tocou no Teatro São José ao preço de Cr$ 20,00 o ingresso. Foi a atração, tempos depois, dos festejos de 25 anos de rock na
França, quando a Casa de Cultura Francesa (UFC) organizou um show na Concha
Acústica em 1984.
A partir de 1982, porém, surgiu a segunda geração, com o bairro revelando um rapazote, o skatista Alexandre Gato, grande vocalista até hoje. Dali, revigorado pela galera do Parque Araxá e vizinhança, o punk se fez forte, com Bicudo, Dedé Podre, Grillo, Guacira, Gina, Rogério Mal, Magoo, Simão, Eliane, Didô, Flor Punk, Luciene, China, Lesado, Sérgio, Laércio, Alex, Denis Túlio, Rômulo e outros, como Amarildo, fundador da banda Ramorte, depois Repressão X, proprietário de um estúdio que ajudou a difundir o movimento. Bandas como Resistência Desarmada, HLV3, Estado Indigente, Estado Mórbido, Zoeira, Grillo's Sub e Repressão X foram marcantes por mais de uma década.
Algo mais sólido se
encontrava no Centro. Praças José de Alencar, já refúgio dos hippies, que foram
os primeiros a negociar camisas de estampas de rock, nada criativas, e do Ferreira,
ambas quarteis dos punks, dos quais já nos reportamos, cuja resistência se
manteve por um fato evidente: os anos setenta foram deles e do rock
progressivo, apostas das grandes gravadoras. Punks de periferia sim.
Proletários, trabalhadores, formais e informais, revoltados “com o sistema”.
Quando o movimento metálico se consolidou em Fortaleza, em 1984, os encontros
naquelas praças haviam se transferido para a loja Opus Discos, na Galeria Pedro Jorge, e Woodstock Discos Fortaleza a partir de agosto de 1986.
Nossa moeda já era
insignificante frente ao dólar, por isso os promotores temiam prejuízos. A
Globo bancou o Gênesis em 1977, porém a
bordoada começou em 1981, com Queen, com
uma baita infraestrutura por trás, com a venda de direito de imagens que levou
à primeira transmissão ao vivo de uma banda de rock no Brasil. Em 1983 foram as
vezes de Van Halen e do Kiss, ambos com sucesso de público, com os mascarados
(se "despedindo" das máscaras) encarando o Morumbi e o Maracanã. Naquele ano, portanto, Roberto
Medina não teve dúvidas de que era o momento e começou a organizar o Rock in
Rio, que ocorreu no início de 1985.
Paralelo, Fortaleza contou com o primeiro show de Raul Seixas, “Gita”, em 1975, e de Rita Lee, no ginásio Paulo Sarasate, no dia 12 de fevereiro de 1976, reunindo praticamente todos os rockeiros de Fortaleza para o show “Tutti Fruti”. Depois, os grandes concertos de rock somente a partir de 1979. Raul voltaria duas vezes: em 1983, para o show que não houve no ginásio Aécio de Borba, quando alegou, no palco, doença, causando quebradeira, e em 1989, com Marcelo Nova (Camisa de Vênus), numa apresentação pífia no ginásio Paulo Sarasate, a seis meses da sua morte.
Foi em 1979 que
surgiu a revista Somtrês, da editora homônima, trazendo vários colaboradores
manjados, à frente o seu executivo, editor chefe Maurício Kubrusly, mas com
respaldo de catedráticos do rock, como Ezequiel Neves (com a coluna Rolling
Stone) e Leopoldo Rey (coluna Dr. Rock, especializada em hard/heavy rock).
Substituía uma revista bastante popular, que saía de circulação naquele ano, a
Pop, editada pela Abril, comandada por empresários infiltrados nos círculos do
militarismo dominante. Marcou uma geração, com jovens sem maiores liberdades,
mas esperançosos. Possuía um “cast” de jornalistas independentes, como Caco
Barcelos (que se tornou influente repórter da Globo) e outros famosos que
migraram para a Somtres, como Okky de Souza, Ana Maria Bahiana, Tarik de Souza
e os próprios Ezequiel Neves e Leopoldo Rey, misturando o espírito esportivo
com rock. Havia no Brasil muita divulgação dos esportes, aos quais nós
No Ceará, lembremos os filmes que marcaram, como "The Song Remains the Same" (Led Zeppelin) e "The Wall" (Pink Floyd), lotando o Cine São Luiz, com fãs "montando barraca" internamente, e a Praça do Ferreira centro de encontros dos rockeiros. Momentos que jamais esqueceremos.
Nasce o Rock Cearense
Sem espaços nem
mídia, além da dificuldade de encontrar instrumentos musicais adaptáveis na
praça, partindo para os improvisos, as bandas locais se apresentavam em clubes
sociais, para a elite, afinal a classe média na época era pobre, e abaixo dela
miserável. Não foi por acaso que os primeiros traços sobre a história do Ceará
foram escritos por doutores ligados ao partido do imperador D. Pedro II.
Coube ao introdutor do rock’n’roll local, os Rataplans, liderado pelos irmãos
Adilson e César Barreto, o primeiro a romper barreiras, usando guitarras
artisticamente produzidas em casa, saxofone e caixinhas de som com potência
para fazer barulho e ainda ajudar no surgimento de outras bandas, emprestando
seus instrumentos. Já estávamos na época dos Beatles, no meio de uma idolatria.
Rataplans e suas caixinhas. A primeira banda de rock de Fortaleza |
A rebeldia de Elvis
Presley formou filas na entrada do Cine São Luiz, evidenciando a entrada
definitiva da “música pesada” no meio cultural cearense. Jovens de cabelos
compridos e assanhados eram tratados como “bichas” pelos saudosistas da bossa
nova, o que não travou o crescimento da cena. Mas com os Beatles consolidou-se a sua devoção como marca do cotidiano, música não apenas para se
curtir como para se perpetuar, fato que os fãs de outrora continuam fiéis, podendo-se
constatar essa conclusão nos levantamentos de vendas em lojas especializadas em
rock.
Os beatlesmaníacos,
que possuíam o cover Brazillian Beatles, não aceitavam voz de mulher,
entretanto Rita Pavone tocava demais nas emissoras no momento da explosão da
Jovem Guarda, época em que a maioria das bandas nacionais fazia fortuna
orientada a tocar versões de músicas estrangeiras (vide Renato e seus Blue Caps,
Celly Campelo). Autênticos, por outro lado Erasmo e Roberto Carlos lideravam a
fama nos Anos 60, sendo nessa época o auge de bailes nos clubes, embora sob a
rigidez da ditadura militar, que exigia bom comportamento. Daí notarmos, pelas
fotos de então, tantas pessoas paradas ou sentadas.
De Messejana, os Big Brasas tocavam até Hendrix |
Fato que, em Fortaleza,
após os Rataplans, grupos de garagens se misturavam às bandas de bailes, uma
cidade que se sustentava com eminentes nomes do rock como os Big Brasas (de
Messejana, que tocava de Stones a Cream), The Birds (depois Som 2000), Desafinados, Os Dissonantes, Fortaleza, Milionários, Os Quem, Os Diferentes, Tremendões; os Magnatas, que mudou para Os Rebeldes (da Piedade, do qual surgiu Fagner, amante daquele bairro, a "Liverpool Cearense"); Brasas, Canibais (de Will Nogueira), Belgas e os
Faraós, pelos quais as alunas imploravam em bailes de colégios femininos,
afinal a novidade fazia-se presente nos
redutos festivos. Mais famosos, Os Quem e os Faraós participaram e venceram um concurso no Recife para a escolha de melhor conjunto do Nordeste.
Em 1988, eu e o amigo Tony,
sempre atentos às apresentações, presenciamos o baile que marcou o retorno dos
Big Brasas (1967-1977, a banda do programa “Show do Mercantil”, da TV Tupi local) e
Faraós. Precisamente no dia 9 de julho, no Balneário Clube de Messejana, para
mim no “fim do mundo”. Muito Beatles, Stones, Steppenwolf e Led Zeppelin, mas
baladas afins. Conforme matéria de jornal, a primeira tocava Jimi Hendrix Experience.
Na TV Ceará (Rede Tupi, Canal 2), o saudoso radialista e apresentador Paulo Limaverde, de família vinculada à imprensa, comandava o programa "TV Juventude", destacando essas bandas, na onda dos Beatles e Elvis Presley, e na Rádio Dragão do Mar o próprio "Seu Paulo" delirava os fãs com o programa "Hoje é Dia de Rock".
Os Canibais |
De curioso, músicos
jovens que começaram pelo rock para em seguida incorrerem no comercialismo (sertanejo
e MPB melódico), como, a nível nacional, Sergio Reis, Eduardo Araújo, Vanusa,
Antônio Marcos e Ronnie Von, situação comum para quem não possuía sangue rockeiro. E a nível local, sabemos que praticamente nenhum músico originário da Jovem Guarda manteve a fidelidade, seguindo, nos Anos 1970, o padrão comercial, de sobrevivência econômica.
A Década de Transição
Mona, Ronald e Jorge Helder (1980). O garoto é Marcelo Freitas. |
Banda Perfume Azul. Som pesado. |
Destaca-se ainda a presença da base da banda, Siegbert
Franklin (guitarrista) e Lúcio Ricardo (segundo vocalista, também fundador) no Festival de
Tabuba, promoção que revelou Ricardo Rocha Pinto e Mona Gadelha, que em seguida
passou temporada em São Paulo. Desse evento naquela praia no município de
Caucaia surgiu o disco “Fotografia”, raríssimo, coletânea de interpretações dos
próprios Lúcio Ricardo, Ricardo Rocha Pinto e Mona, além de Tânia Militão,
Ricardo Bacelar, Rossé Sabadia, Stepherson e Ronaldo Pessoa
(mais tarde membro da Banda Posh), um dos donos da Pró-Áudio, onde o disco foi gravado e
produzido.
A Contribuição dos Punks
A partir de
contatos com conterrâneo na Alemanha, no período repressor da ditadura militar, sob
influência total de Johnny Rotten, nasceu a primeira banda punk do Ceará:
The Bogs, pelos irmãos “Pat Bost” e Paulo Pinheiro, por volta de 1975. Antes,
os dois jovens, o primeiro técnico em eletrônica e o outro, baterista, metido a
consertar caixas de som, rondavam o mercado atrás de serviços, sendo um deles,
por coincidência, para o grupo O Peso, respeitadíssimo em Fortaleza, prestes a
partir e despontar no Rio de Janeiro, onde gravou o disco “Em Busca do Tempo
Perdido” e participou, ao lado de Raul Seixas, Rita Lee e Erasmo Carlos, do
inédito “Hollywood Rock”, festival que gerou um disco ao vivo. Os demais punks
da época eram Helder Sanguinário, Gene Merd, Ton Bog, Paul Junk e Charlie, uma
turminha que só podia ficar por ali, perto de casa, na zona norte de Fortaleza.
Cruzando com as viaturas policiais era destino quase certo a primeira
delegacia. Liberdade, embora aparentemente, havia nos bailes do bairro, Antônio Bezerra, Menfis
Clube e Keops, em meio à misturada de estilos musicais.
Em 2015 entrevistamos, Paulo "The Bogs" Pinheiro. Uma vida no underground (Foto Barcelos England Saxon) |
A partir de 1982, porém, surgiu a segunda geração, com o bairro revelando um rapazote, o skatista Alexandre Gato, grande vocalista até hoje. Dali, revigorado pela galera do Parque Araxá e vizinhança, o punk se fez forte, com Bicudo, Dedé Podre, Grillo, Guacira, Gina, Rogério Mal, Magoo, Simão, Eliane, Didô, Flor Punk, Luciene, China, Lesado, Sérgio, Laércio, Alex, Denis Túlio, Rômulo e outros, como Amarildo, fundador da banda Ramorte, depois Repressão X, proprietário de um estúdio que ajudou a difundir o movimento. Bandas como Resistência Desarmada, HLV3, Estado Indigente, Estado Mórbido, Zoeira, Grillo's Sub e Repressão X foram marcantes por mais de uma década.
Flor. Baixista punk (O Povo) |
Essa galera fazia-se presente nas grandes praças do Centro, como José de Alencar e do Ferreira, onde
ocorria o comércio de discos usados, além da orla da Beira Mar. Só foi se
adaptar ao convívio com os headbangers já no final do advento da Feirinha da 13
de Maio, refúgio dos fãs do heavy metal aos sábados, na segunda etapa dos Anos
80. Enquanto isso, o Amarildo alugava o clube “América”, em Jurema (Caucaia),
para festivais punks, restrito. Mas ocorreram alguns festivais harmonicamente
divididos entres heavy metal e punk rock. Outros frequentavam o CREVE (Clube Recreativo e Esportivo da Vila Ellery), o Vila Iracema, Grêmio Recreativo do José Walter e o Apache, do Jardim Iracema. Infelizmente, com a infiltração de “carecas”,
distorceu-se o sentido da causa underground e os bangers se afastaram, fazendo
seu trabalho e shows exclusivos.
Praça Portugal
Durante as noites de sextas-feiras eu tinha que ser breve. Muito jovem, não podia passar das 22 horas para retornar para casa, de ônibus.
Claro que havia problemas: idade, grana, ditadura militar - com um tal de COE
nos calços, polícia repressora, que inviabilizavam estarmos na Praça Portugal
todas as semanas. Mas quando íamos havia duas tarefas obrigatórias:
experimentar a culinária, de preferência o vatapá, e procurar os rockeiros de
Fortaleza.
Praça Portugal, anos 1970 |
Digo melhor, ver,
porque fazer amizades com aqueles cabeludos grandões, fãs de Led Zeppelin,
Black Sabbath, Uriah Heep, Rush, Genesis, Beatles e Rolling Stones seria
impossível. Loucura demais para um adolescente envolto em sonhos, carente de
amizades. A banda do momento era Queen, mais uma da Inglaterra, país que
introduziu o rock pesado, de qualidade e potência, de modo que atraia fãs de
todas as classes sociais. Em Fortaleza, não havia consistência de um engajamento
pelo rock’n’roll, por isso a carência de bandas e de fã-clubes. Com praticamente uma loja, Vox, na rua
Guilherme Rocha, baixos do ed. Parente, pertencente a Gerardo Barbosa, e sua filial, mais especializada em rock, no Center
Um, a estrutura das
bases undergrounds da capital cearense estava fragilizada.
Restringia-se a reuniões isoladas, nas quais se debatia complexidades, não se
concentrava na área musical.
Praças do Centro
Os Primeiros Shows
A carência de shows
de rock no País até a década de 80 não foi influenciada pela falta de público.
Não era esse o problema, afinal o Alice Cooper, em 1974, inaugurou a era de
shows internacionais, superlotando o Anhembi.
Numa jogada publicitária, o preço do ingresso saiu barato, e, sendo
atração inédita num país de regime fechado, não deu outra. Levou dezenas de
milhares de pessoas, a maioria curiosa, causando alvoroço em pleno auge dos
hippies/progressivo. Naquele embalo, o Black Sabbath se ofereceu para tocar no
Brasil, em 1975, mas não deu certo.
Coluna de Guto Benevides anuncia Rita Lee em Fortaleza (Tribuna do Ceará, 1976 - Acervo Lucas) |
Rita Lee no Iracema Plaza, 1976 (TC) |
Paralelo, Fortaleza contou com o primeiro show de Raul Seixas, “Gita”, em 1975, e de Rita Lee, no ginásio Paulo Sarasate, no dia 12 de fevereiro de 1976, reunindo praticamente todos os rockeiros de Fortaleza para o show “Tutti Fruti”. Depois, os grandes concertos de rock somente a partir de 1979. Raul voltaria duas vezes: em 1983, para o show que não houve no ginásio Aécio de Borba, quando alegou, no palco, doença, causando quebradeira, e em 1989, com Marcelo Nova (Camisa de Vênus), numa apresentação pífia no ginásio Paulo Sarasate, a seis meses da sua morte.
Comunicação Através de Revistas e Programas de TV
Essa revista era leitura obrigatória dos rockeiros |
nos
vinculávamos, por falta de opções, como o futebol, com a revista Placar no
auge, surf com a Fluir e a citada Pop, destacando o skate, que já tinha como
praticante o nosso amigo Gato, um autêntico punk que em seguida se debandou,
embora sem largar sua originalidade, para o heavy metal.
Foi em 1979 que meu
gosto musical começou a tomar um corpo. Entrou um novato na minha escola,
justamente meu colega de sala de aula, João Neto, mais entrosado no rock do que
eu, pois seu irmão mais velho possuía as coleções do Elvis ao Kiss, passando
por Woodstock e Hendrix Experience. Nem precisa dizer que vivíamos em sua casa
apreciando a “música proibida”. A capa do “Physical Graffite”, do Zeppelin, me
contagiou tanto que passava horas olhando para ela, ouvindo o LP. Daí em diante
foi só pauleira em nossas veias.
Eu era fã de Peter
Framptom por causa do discão “Frampton´s Comes Alive”, que me fazia viajar na
sua guitarra. Acabara de entrar no fã-clube do músico, exatamente o Comes
Alive, de uma superfã da capital paulista, Selma. Através dele, recebi a
primeira visita de uma correspondente, de Taubaté, em 1983, época em que eu já
estava firme no metal pesado. Ela tinha dezesseis anos e acompanhava uma amiga
cearense, de Iguatu, de férias escolares. Curtimos muito rock, dividindo o meu
walkman de fita cassete durante as noitadas na Beira Mar, sendo que ela se
tornou fã da nossa música pesada com certo empurrão de amigos como eu, oriundos de
anúncios postais. A última frase que me disse, durante a sua partida, no
aeroporto, foi: “Não corte o cabelo!” Ordem seguida durante vários anos. Esse
tipo de sacudida impulsionou o surgimento de uma nova geração de rockeiros, a
mais radical, a headbanger.
De Teresina PI já
tínhamos contatos com a galera das bandas Vênus, depois Avalon, que
praticamente eram a mesma, porém com mais intensidade com Kasbafy, da
Megahertz. Desses contatos os fortalezenses prestigiaram o Festival Setembro
Rock, na capital piauiense.
De Campina Grande apareceu aqui, em 1985, na época em que eu residia na bucólica Piedade, o Óliver Hellfire, um dos maiores colecionadores de HM do País, gente de uma simpatia ímpar. Mantém seu estúdio até os dias atuais, tendo seu banda Necrópolis tocado duas vezes em Fortaleza . De Pernambuco, três vieram nos visitar: Fernando Diniz, Guga e sua companheira, Nina. Galera legal que curtia demais heavy metal. Passou um bom tempo conosco, curtindo nossas músicas, de casa em casa, fazendo amizades, e é claro, gravando o material que não possuía. Mas aí já era lá na frente, em 1986, quando o casal, Gustavo e Nina, estava lançando o zine Exclamatur, que existe até hoje. O Fernando veio em 1984, época em que eu me correspondia com uma fanzona do AC/DC, de Brasília, filha de peixe graúdo da política: Simone, ou Si, Syoung, mais tarde, como guitarrista, fundadora do Detrito Federal e P.U.S, que tocou em Fortaleza onze anos depois. Dizem que em seguida se tornou famosa após participar de um reality show, fulminando seu status junto ao rock'n'roll. Enfim, o mulherio guerreiro estava em todos os Estados, como a Cinthia Banks, de Porto Alegre, Valéria, de Belo Horizonte e a Lígia Halford, de Lages SC, fã até à alma de Judas Priest.
Ou seja, a turma espalhada, muitos garotos (George, Luís e Bruno Gabai, por exemplo) se alimentando de metal, sem que nos conheçamos. Somente a partir de 1984 comecei paulatinamente as amizades com essa galera, após o surgimento, em maio daquele ano, da Opus Discos (Tony Cochrane, cujo nome homenageia a banda na qual tocava), na Galeria Pedro Jorge, no Centro da cidade, e o convívio fraternal na Feirinha da Treze de Maio, que ocorria aos sábados. Aquela feirinha, na qual nos reuníamos na barraca do Mantovanni (da Cidade dos Funcionários), surgiu como alternativa ao fim da feirinha da Praça Portugal, no início dos anos 1980. Foi, ao lado das lojas especializadas do Centro, o ponto de referência dos bangers de Fortaleza.
Nos Anos 1970, fato relevante, no calçadão da Guilherme Rocha, Centro de Fortaleza, ocorria o
feirão de Lps usados, conhecido como “Pedras”, nas proximidades da Praça do
Ferreira, o coração da cidade. Entre eles estavam o Chico Holanda, Tony
Cochrane, Bastos, Marcelo, Chacal e o Divaldo, que montaram suas lojas após
muitas batalhas. Esse trabalho estendia à feirinha da Praça Portugal, depois à
Treze de Maio. O comercio de vinil era real e parecia infindável.
Ao mesmo tempo, a sua
concorrente Woodstock, do Walcir, a pioneira (1978) virou selo e começou a distribuir em LPs as
divindades do thrash metal internacional, assim como fez a Whiplash, de Natal
RN. Já os mineiros apostaram nas bandas locais. A Cogumelo revolucionou o mercado
com a coletânea mais furiosa até então no país, a “Warfare Noise”, com
Sarcófago, Mutilator e Chakal, simplesmente espetacular. Depois lançou o
Sepultura (em parceria com o Overdose, com “Século XX”), que conquistou o mundo
com o “Bestial Devastation”, em 1986. E do Rio de Janeiro veio o contra-ataque
aos paulistas, o arrepiante “Ultimatum”, com Dorsal Atlântica e Metalmorphose,
dos quais já nos referimos.
Outra revista, que
raramente chegava ao Ceará, era a Música, surgida em 1973 e findada em 1983.
Adquiria-se no aeroporto ou por encomenda, na Praça do Ferreira, nas bancas do
Bodinho ou do Paixão. Eram ela e a Pop as que o pessoal lia na Praça Portugal, ou
na espera das sessões de filmes, nos cines São Luiz, Art, Fortaleza, Diogo e
Gazeta (Center Um). Com uma ampla abordagem do mundo musical internacional, a
segunda a cobrir shows internacionais no País, no caso o do Genesis, em maio de
1977 (a primeira foi a Rolling Stone nacional, que durou pouco mais de um ano,
como o furacão de Alice Cooper, em 1974). Consagrou-se pela inovação, tratando
de técnicas musicais, ou seja, com partituras ensinava os leitores a tocar instrumentos, com
os preços de aparelhos e caderno para troca e vendas, sessão que mais tarde foi
copiada por outras revistas do gênero, contando com redatores como Rafael
Varela Jr, Ana Maria Bahiana e André Mauro, que era o mentor das novidades.
E obviamente, no embalo da NWOBHM, Nova Onda do Heavy Metal
Britânico, originando legiões de seguidores no Brasil, apareceram mais fontes
de informações. Devemos muito esse progresso a um jornalista paulista que fez
história.
1981. Matéria de André Mauro (Celso Lungaretti) na revista Música. Jornalista e ex-guerrilheiro. |
Celso Lungaretti foi um líder do movimento estudantil secundarista,
em São Paulo, que se tornou guerrilheiro aos dezoito anos, e preso político aos
dezenove. Sua liberdade, entretanto, foi vigiada, conseguindo se formar
longe das atividades políticas. Foi necessário assinar suas matérias com outro
nome para fugir do assédio dos órgãos de inteligência e repressão da época. O
cara era o André Mauro, pseudônimo. Suas críticas na revista Música chamaram a
atenção da imprensa especializada, de modo que lhe ofereceram a coluna Rock
Stars, que mais tarde se tornou uma revista sob sua responsabilidade. Paralelo,
pela mesma editora, surgiram a Internacional Extra, a Rock Passion, esta
exclusiva para headbangers, e a Rock Show (homônima do programa semanal na
rádio Excelsior AM de São Paulo), todas editadas por ele. As revistas confundiam
bastante, pois chegávamos nas bancas e fazíamos o pedido:
- Chegou a
Internacional?
- Chegou.
Revista popular e de qualidade |
E nos entregavam a Rock
Stars. Pedíamos a Rock Stars e nos entregavam a Rock Show, isso devido aos
formatos parecidos, pequenas, com as mesmas diagramações, simples, e com preços
idênticos, embora subissem muito de preço devido à inflação. Enfim, mais opções, mais
fontes de pesquisas, pois fazia-se necessário informação atualizada. Tratava-se
de uma reviravolta, víamos diante de uma virada cultural, chegando ao fim os
cartéis da mídia musical escrita. A Celso Lungaretti, ou André Mauro, o nosso
carinho.
Pelos “balaios” dos
classificados, que havia em várias revistas, identificávamos os correspondentes
que atendessem aos nossos gostos. Diante disso, os dois primeiros que nos
chamaram a atenção foram o Raul Rock Seixas e o Rock Brigade, ambos de São
Paulo. Obviamente o primeiro era o fã-clube oficial do Rauzito, sob comando do
Sylvio Passos, e o segundo um fã-clube do Black Sabbath aberto ao heavy metal,
cuja direção era de Eduardo Bonadia e Antono D. Pirani. A quantidade de sócios impressionava, o que nos fazia crer que, como se pagava para adentrar, era
lucrativo, algo raro na época. Mas creio que Raul Seixas e Beatles foram os
campeões de correspondências até 1985, quando o HM se expandia no País.
O primeiro zine do
Brigade, assinando como informativo, saiu em fevereiro de 1982, com doze páginas
xerocadas e matérias destacando Sabbath, AC/DC, Deep Purple, Uriah Heep, e a
banda que possuía a música “Rock Brigade”, do disco “On Through the Night, de
1980, Def Leppard, os leopardos ingleses. A primeira equipe contou com Bonadia,
Pirani, Ricardo Oyama, Rogey e Roger. A edição de número dois foi uma homenagem
a Randy Rhoads, jovem e promissor guitarrista do Ozzy Osbourne, que falecera em
março. Matéria de capa espetacular. Suas fontes de pesquisas não chegavam a
Fortaleza: Kerrang e a Kam, as primeiras do mundo especializadas em thrash
metal. Nós cearenses tínhamos mais acesso à Circus e Hit Parader, americanas,
Faces Rock, Raw, Loud!, Rock Hard; as alemãs Bravo e Pop Rocky (com seus majestosos posters), e por solicitação postal as japonesas Burrn!
e Music Life. Essas importadas negociávamos com nosso conterrâneo, o
saudoso Aldemir, grande fã do Led Zeppelin, com quem fazíamos troca de
materiais, isso pessoalmente em seu trabalho, no INSS, no Centro de Fortaleza.
Através da sessão Headbanger Voice, classificados do Brigade, aberta apenas aos
sócios, fizemos muitos amigos, sendo uma cearense, que morava em São Paulo, tendo, em 1985 voltado para sua terra, marcando o seu nome na história do metal
cearense: Leonice Dias, a Jurema. E de Fortaleza, o Jander Martins, com quem
fundei o True’s Metal Fan Club em 1984, cujos trabalhos escritos progrediram após o Rock in
Rio.
Fanzine que virou revista. Fantástico! |
Rock Brigade contava
com grande equipe de colaboradores: André Luiz Cagni, João Cucci Neto, Fernando
Sousa Filho, Vespasiano Ayala, Wilson Dias Lúcio, Adrian Gomes, Antônio Carlos
Monteiro, Jacinto Ambrósio e Berrah de Alencar, de origem cearense, o meu articulista
preferido, que deixava de lado a essência jornalística para escrever o pulsar
do seu coração, com palavras e gírias que penetravam na alma do verdadeiro headbanger.
A fonte de
renda do fã-clube era, mais do que o comércio de zines, a venda de materiais, precisamente gravações (para fitas
K7) de discos importados, assim como de demos e de shows piratas. Uma loucura que mexia com o bolso do headbanger, principalmente da galera do Norte e Nordeste, que pagava serviços postais mais caros.
Particularmente eu
preferia gravar com correspondentes, amigos, como o Levy, do Recife PE, e o
Ricardo Belcofini, de Itu, SP, a quem reencontrei em 2012, nas redes sociais.
Na oportunidade, citou o meu endereço, com nome e número de minha residência de
trinta anos anteriores. Ricardo também possuía um fã-clube em 1983, dividindo
as tarefas com seu primo Denilson (Denny), o Headbangers Club. Os dois lançaram
algumas edições do seu zine, destacando
Angel Witch, Witchfinder General, Manowar, Anvil , Sabbath, Led
Zeppelin, tudo de bom que havia na época. Maravilhas como essa, reencontrando
pessoas consideradas desaparecidas há décadas, nos deixam cada vez mais
apaixonados pelo mundo do rock’n’roll.
O Headbangers Club - SP, 1983, influenciou o True's Metal (CE) |
Outro fã-clube ao
qual fui sócio na época foi o Heavy Metal Maniac, de São Caetano do Sul SP. Bem
carinho $$$, mas bastante interessante. Vasto, com fotos raras. Também fazia
gravações.
Havia muitas revistas
nacionais do início dos anos oitenta, como Dynamite, Pipoca Moderna, Mixtura
Moderna, Metal, Backstage, Top Rock, Metalhead, e mais adiante a Bizz, da
Globo, pela qual nunca fui chegado. A maioria delas era de circulação
indefinida. Se dizia mensal, saía com quarenta dias; "bimestral", com três meses.
A Mixtura e a Dynamite, creio que só deva ter lido umas duas edições em um ano.
Não era fácil ganhar dinheiro com rock na época por via jornalística. Os textos
dos fanzines, por conta exatidão rockeira, da informalidade, eram mais autênticos,
feitos por quem gostava da música, por isso o Rock Brigade era uma unanimidade.
Quanto aos programas
de TVs, nossa simpatia bairrista caía para o “Jornal da Música” (TVE, Canal 5),
do publicitário Ubaldo Solon, do qual ganhei até brinde. O apresentador possuía
uma coluna musical no caderno “Dimensão” do jornal Tribuna do Ceará, que aqui e
acolá soltava uma “bomba” no meio rockeiro, como fazia, também, Edmundo Vitoriano em sua coluna "Pedaço Jovem", no O Povo (que teve continuidade com seu filho, Cacá Vitoriano). Pela TV Cultura, muito metal pelo
Som Pop, com Kid Vinil, e no Super Special, da TV Bandeirantes, com Serginho
Caffé. Ja a TV Manchete era um chá de cadeira aguardando as novidades. As
apresentações passaram por João Kleber e Marco Antônio, o FM TV.
Lucas - de Framptom a Powerhead
Lucas, João, Banha e Olindina |
Em 1984, eu e meu
colega de escola, Jorge Ferré, fundamos o "True’s Metal Fan Club" ao lado de amigos que
conhecemos por correspondência: Jander Martins e João Carlos. Com a colaboração de
Nertan Cruz nas artes montamos os fanzines, na época informativos. O mesmo foi de
significativa ajuda para engrenagem da máquina do metal pesado, reunindo e
convocando os bangers para a guerra sem fim, amar a nossa música até a
eternidade. No ano seguinte, embalado pelo Rock in Rio e pelo farto material catalogado da Donzela, surgiu o "Iron Gang - Club of Headbangers" um projeto paralelo sobre o Iron Maiden, conosco mais o Rogério Kiko e o Bremen Quixadá. A ideia era lançar dois fanzines ao mesmo tempo, do True's e do Iron Gang, este incluindo a NWOBHM e ou outro centrado no Thrash Metal. Mas, devido à questão financeira, ficamos apenas com o True's Metal Fan Club.
Bandas Nacionais
O Peso, 1975 |
As bandas nacionais
tinham muita influência do rock progressivo, não era de se esperar algo
diferente, tendo em vista o mercado da época, com Pink Floyd, Rick Wakemann e
Genesis carregando multidão de fãs. No Brasil, a meu ver, o melhor crítico desse
estilo era o Waldir Montanari, que tanto caprichava na redação como era um
estudioso. Para nossa alegria, porém, o cenário local foi sacudido por algo
mais pesado, a primeira banda de hard rock do País, a cearense O Peso (1972), cujo
lançamento do único disco ocorreu em 1975, “Em Busca do Tempo Perdido”.
O Peso: trio em 1972 (Júlio, Sérgio e Alex) (Tribuna do Ceará - Acervo Lucas) |
Mas só
a conheci em 1979, na residência do João Neto. Mesmo despontando no Rio de
Janeiro, onde residiam seus músicos, era relegada ao segundo plano pela
imprensa, pois existiam outras mais massificadas que ganhavam destaques:
Mutantes, Made in Brazil, Casa das Máquinas, Módulo 1000, O Terço, A Bolha e
principalmente Secos e Molhados. Quebrando o tabu, foi com muita alegria que
assistimos a uma apresentação de O Peso em nossa terra, no anfiteatro da Volta
da Jurema, Beira Mar, superlotado, em 1984. Teve grande repercussão na mídia, fato
que nos levou a conhecer pessoalmente seu líder, o vocalista Luis Carlos Porto,
piradão, ao estilo Raul Seixas.
Majestade Stress - Pará |
No Pará já existia o
Stress, que nos anos setenta ainda não tinha a legitimidade de um grupo
autêntico do ponto de vista heavy, pois surgiu com a identidade progressiva. Só
se posicionou frente ao exigente público headbanger após a revolução da NWOBHM,
a partir de 1982, quando gravou seu primeiro disco, “Stress”. Mas apenas com o
seguinte, “Flor Atômica”, de 1985, explodiu no cenário como uma das melhores
bandas brasileiras. Presença forte, histórica, sempre agitando a sua Belém, mas
longe do eixo Rio- São Paulo. Repudiamos, portanto, a discriminação por que tem
passado esse símbolo do power-speed metal nacional. Décadas de preconceito por
se tratar de uma banda paraense, do “Norte atrasado”. O Stress merece o
respeito ao qual fez por merecer ao longo da história.
A Década da Glória
A década de 1980
começou animadora para o nosso rock. Mais lojas de discos, surgimento da
feirinha da Beira Mar, onde a galera papeava e experimentava caipirinha na
Volta da Jurema, e das feirinhas da 13 de Maio, Gentilândia e Liceu do Ceará, fatos marcantes para
incrementar as mudanças de hábitos da moçada, que era mais de bairros e
escolas. Como fato desapontador, contudo, o fim da feirinha da Praça Portugal,
por conta das reclamações dos moradores e comerciantes, tendo em vista o
desenvolvimento do bairro elitizado, Aldeota.
Aos domingos,
independente de notas publicitárias, havia bailes em clubes da periferia, na
base do som mecânico: Menfis e Apache Clube, ambos no bairro de Antônio
Bezerra; Grêmio Recreativo José Walter, Detroit, Keops Clube. No Internacional,
ponto relevante do bairro Monte Castelo, a galera inovava, com concursos de
interpretações e premiações a quem melhor imitasse os ídolos, como Robert Plant
(Led Zeppelin) e os punks, como Sex Pistols e Ramones, segundo os gostos
musicais do seu idealizador, o Baby, ao lado do Pergentino um dos mais pirados rockeiros dos anos 70 e
início dos anos 1980, época em que já marcava presença o Tony Cochrane, que mais
tarde abriu sua loja especializada na galeria Pedro Jorge. Para a glória do nosso rock, os três continuam na ativa.
Inter dando adeus. (Fortaleza Nobre) |
O fã de rock na época
era eclético quanto ao estilo musical. Podia gostar de Black Sabbath sem
esquecer o Supertramp, por exemplo. Citamos os casos dos bailes nos clubes de
subúrbio, que não eram exclusivos a um som, apenas. O promotor queria tirar sua
ponta, atraindo públicos de variados gostos, e isso era terrível. No Inter
(Internacional), citado acima, em frente à linda praça redonda do Monte
Castelo, tocava-se rock, funk (rap) e terminava com música lenta, quando o
pessoal aproveitava para a irresistível cantada amorosa. E quando dava briga
entre as turmas interbairros (pessoal do rap norte americano), lascavam Pholhas e The
Pretenders como calmantes. Portanto, até ali nada de organização.
Continuamos firmes
usufruindo as oportunidades de novas amizades através dos anúncios em revistas
e Rock Brigade. Particularmente me correspondi com rockeiros de todas as regiões
do País, predominando, é claro, do império chamado São Paulo. Mas foi no Rio
que conheci os três mais fascinantes correspondentes. O primeiro foi o Jack,
que escrevia umas quatro páginas, com sua letra pequena e ortografia tão
perfeita que eu tinha vergonha de respondê-lo. Fã do AC/DC e Led Zeppelin,
carregava uma cruz de devoção tão alucinada pela Inglaterra que se considerava
britânico. Quando citava as dificuldades encontradas no Brasil, dizia: “O teu
País vai passar mil anos para um dia ter o prazer de um banger viver feliz como
no meu”. Não precisava tanto. Mas de fato éramos atraídos mesmo pela terra da
rainha, a “pátria mãe” das nossas bandas de raiz. EUA eram postos para segundo
plano, “lugar de bandas posers”. Outro amigo carioca era o Claudio Ferme,
muito bem informado. Também escrevia brilhantemente, não poupando as letras,
que preenchiam facilmente dez páginas. Com suas contribuições - notícias
bombásticas, informações atualizadas, nos ajudou bastante a formarmos, mais
adiante, o nosso fã-clube, sendo um dos primeiros associados e colaborador, com
um artigo no segundo número.
Franco, Lucas e Carlinhos: Ultimatum é o disco |
Por fim, Carlos “Punk” Lopes, o Vândalo,
considerado o mais influente seguidor do metal do Rio de Janeiro. O “Punk” veio
dos anos 70, obviamente, mas na década da glória tornou-se o grande líder dos
bangers cariocas, credenciando, mesmo diante de tantas dificuldades, o seu
power trio Dorsal Atlântica no front do rock nacional. Fui um dos primeiros a
adquirir, pelos Correios, com as suadas economias da mesada, o seu Split LP
“Ultimatum”, autografado, gravação dividida com o excelente Metalmorphose.
Disco simplesmente perfeito, quebrando a solidez de São Paulo. No petardo seguinte, “Antes do Fim”, houve dedicatória a este humilde cearense.
Teve um
correspondente de Petrolina PE que aproveitou com os pais alguns dias de lazer
em Fortaleza. Pelo telefone me informou o endereço e fui pegá-lo no hotel, na
Praia de Iracema, para um giro nas casas de amigos na periferia. Mal entrou,
sequer esperou para contemplar a cidade. Puxou um baseado “Made in Rio São
Francisco”, que dava mais de um palmo de comprimento e foi acendendo o
isqueiro. Meu susto foi tamanho que parei o carro na Praia Formosa (na época
chamada Praia do Kartódromo, Marinha) para ele terminar o serviço, afinal eu
era menor e o carro de meu pai. No mais, sem problemas. Um dos primeiros fãs de
thrash que conheci no Nordeste.
Bremen, Banha, Olindina, Ju, Ronaldo e a força da galera. |
De Campina Grande apareceu aqui, em 1985, na época em que eu residia na bucólica Piedade, o Óliver Hellfire, um dos maiores colecionadores de HM do País, gente de uma simpatia ímpar. Mantém seu estúdio até os dias atuais, tendo seu banda Necrópolis tocado duas vezes em Fortaleza . De Pernambuco, três vieram nos visitar: Fernando Diniz, Guga e sua companheira, Nina. Galera legal que curtia demais heavy metal. Passou um bom tempo conosco, curtindo nossas músicas, de casa em casa, fazendo amizades, e é claro, gravando o material que não possuía. Mas aí já era lá na frente, em 1986, quando o casal, Gustavo e Nina, estava lançando o zine Exclamatur, que existe até hoje. O Fernando veio em 1984, época em que eu me correspondia com uma fanzona do AC/DC, de Brasília, filha de peixe graúdo da política: Simone, ou Si, Syoung, mais tarde, como guitarrista, fundadora do Detrito Federal e P.U.S, que tocou em Fortaleza onze anos depois. Dizem que em seguida se tornou famosa após participar de um reality show, fulminando seu status junto ao rock'n'roll. Enfim, o mulherio guerreiro estava em todos os Estados, como a Cinthia Banks, de Porto Alegre, Valéria, de Belo Horizonte e a Lígia Halford, de Lages SC, fã até à alma de Judas Priest.
Porém, em se tratando
de Fortaleza, no início dos anos 80, eu continuava praticamente isolado. Só
conhecia rockeiros com variados gostos musicais. Estava enraizado pela nova e
eterna semente, convicto, só ouvia heavy metal. Mas praticamente nenhuma alma do
ramo para dividir as ideias e principalmente as atualizações, novidades sobre o
gênero. Não sabia que existia galera boa em evidência em vários pontos da
cidade. No Cristo Redentor/Pirambu o pessoal ensaiava os primeiros passos, com o Doge, Urubu e os
garotos André Rodger e Antônio Junior, além do Carlinhos Halford, um dos raros
que trabalhava, como vendedor de verduras, menor de idade, no Mercado São
Sebastião, ao lado pai, com quem abria o box às 4h da madrugada todos os dias.
Até hoje é um dos maiores colecionadores, 100% Metal, apoiador da causa maior,
prestigiando os eventos. É com certeza a figura de maior relevância, pela
fidelidade, do movimento Heavy Metal de Fortaleza. Essa galera da Grande Barra do Ceará possui amizade que vem da infância.
Um princípio fantasma, pessoas próximas e
relacionamento ainda nulo. Jamais havia visto o Franco (da
Parangaba), o Anderson (Cidade dos Funcionários), Ricardo Nobre e Ronaldo (de
Jacarecanga); o Chumbica, Ricardinho, Franzé e Carlão (do São João do Tauape);
o Niltão Kiss, Banha e Valdares (do Jardim Iracema), o Fernando Harris (Barra do Ceará), o Regis
Bicudo, Raul Giffoni e os irmãos Alberto Filho e Calango (do Monte Castelo); o Bremen (do Centro), o Adjacy (do Papicu); a Olindina, Vevé, Darciso, Ricardo Brito, Claudio, Marcos
Ary, Tales e Damilo (da Aldeota); Erivar e Luciene (Cidade 2000); Sid Mongol, Galo e o Paulão PP
Pinheiro (do Antônio Bezerra); Rogério Kiko (do José Walter, RIP); Rocha "Motorhead" (RIP), Sidney, Charles,
Jorge Morcego, Zé Carlos (“Neguim” - RIP), Robério Sacramento e Paulo Maranhão; Washington, Ricardo
Leba, Fernando Pessoa, Ricardo Catunda, estes na estrada desde os Anos 1970;
além dos batalhadores do Parque Araxá, como o Júnior Gordim, Milena, Khuru, Ribamar
Dio (RIP), Joaciro (RIP), Odilon, Eduardo Carcará, Nertan, Augusto, Júnior, Cris
(hoje policial civil), Silvio Barros & irmãos e Amaudson; Chicão, Ney Filho, Carlinhos (Ação
107 FM), Pecem, Denilson; Leontino, Marcos Jorge & Cláudio (Fodão e Fodinha),
Nonato, Sérgio Bebim, Jataí, Waldo, Diassis, Rochelle (irmã do Junior, da Alcoholic Vomit); Sandro, Alex Araújo, Weber, Clementino, Afrânio, Aryzio, Mário Henrique, Jerônimo e outros discíplos que nos fogem à memória.
Loja Woodstock fechada. A festa não pode parar. |
Jander, Fodão, Fodinha e dois amigos que se foram: Rocha e Zé Carlos. |
Ou seja, a turma espalhada, muitos garotos (George, Luís e Bruno Gabai, por exemplo) se alimentando de metal, sem que nos conheçamos. Somente a partir de 1984 comecei paulatinamente as amizades com essa galera, após o surgimento, em maio daquele ano, da Opus Discos (Tony Cochrane, cujo nome homenageia a banda na qual tocava), na Galeria Pedro Jorge, no Centro da cidade, e o convívio fraternal na Feirinha da Treze de Maio, que ocorria aos sábados. Aquela feirinha, na qual nos reuníamos na barraca do Mantovanni (da Cidade dos Funcionários), surgiu como alternativa ao fim da feirinha da Praça Portugal, no início dos anos 1980. Foi, ao lado das lojas especializadas do Centro, o ponto de referência dos bangers de Fortaleza.
Invasão de Petardos
Felizmente chegou o
momento de reiniciarmos as coleções de LPs. Para o baú, os “lentos”, dando vez
aos velozes. O impulso gerado pela NWOBHM foi algo extraordinário, estando
aberto, aos poucos, o mercado sul-americano, ainda que envolto ao regime
político militar. Contávamos com as lojas Tok Discos e as mais especializadas
em rock: Francinet Discos e a Vox, já sem a do Centro e com a do Center Um
expirando. Corriam por fora os magazines
Camelo, Mesbla, Samasa e Romcy, que por serem lojas sofisticadas, não fazíamos
noção de que possuíam novidades, ou seja, espremendo saíam lançamentos. Depois apareceram as Lojas Americanas, que
possuíam os melhores preços, mas já na época dos CDs.
Foram nelas onde
encontramos os primeiros discos de heavy metal dos anos 80 lançados no País,
como o “Alive II”, do Kiss, pela CBS, a gravadora que mais vendia no Brasil; a
EMI soltou os primeiros do Iron Maiden, não propriamente pela ordem, mas foi de
uma recepção fantástica. De repente uma invasão de fãs da donzela, posters,
fã-clubes, algo extraordinário. Nesse embalo vieram os fabulosos do Saxon, divinos,
também pela EMI. Saiu também o “Unleashed in the East”, do Judas Priest, ao
vivo em Tóquio, Japão (1979), o primeiro que ouvimos por aqui, atrasados, pela
RGE/Columbia; “Highway to Hell” do AC/DC, último com Bon Scott (sob boatos do
seu filme), “Black in Black” e “For Those About to Rock”, “Flick of the
Switch”, todos os plays dos australianos produzidos, na época, por “Mutt”
Lange. Demais mesmo. A EPIC também tinha bons lançamentos, ou
melhor, excelentes, como o “Restless and Wild”, do Accept, até hoje um dos
melhores discos de todos os tempos (lembro-me que fiz meu pai comprá-lo com
cartão de crédito na Camelo), e o “British Stell” (Judas Priest). Outro grande
destaque foi “On Through the Night”, lançamento de um grupo de jovens
britânicos que despontou com a NWOBHM, Def Leppard, produzido por um dos
maiores nomes do metal, Ton Allom, o mesmo responsável pelo peso e qualidade do
Judas, profissional que começou no início dos anos 70 como engenheiro de som do
Sabbath. Repercutiu muito o acidente de carro com Rick Allen, seu batera, com
20 anos, no qual perdeu o braço esquerdo. Por conta disso os leopardos não
participaram do Rock in Rio. E é claro, a saraivada que foram os lançamentos
dos petardos do Motorhead, que chegaram com bom atraso. Fantásticos.
Feira das Pedras (Rua Guilherme Rocha) |
Olindina, Jurema, Adjacy, Bremen e Lucas (Tempestade Metálica Ano XXX, 2015) |
Não havia tempo a
perder. Urgia arregimentar o Metal Nacional, que crescia de maneira
magnífica. Em São Paulo, Luiz Calanca foi o maior incentivador, mas embora
tenha enfrentado muitos problemas, ganhou muito dinheiro com a sua percepção de
mercado. Dos primórdios da Galeria do
Rock paulista, a partir da sua loja, Baratos Afins, que virou uma gravadora de
ponta, na vanguarda do rock, lançou os Mutantes, Patrulha do Espaço, A Chave do
Sol, Golpe de Estado, etc, explodindo, em setembro de 1984, com a histórica
coletânea SP Metal, levando ao mundo o heavy metal brasileiro, com Salário
Mínimo, Centúrias, Avenger e Vírus. Sucesso que gerou a SP Metal II, em 1985,
ainda mais pesada, com Korzus, Santuário, Performances e Abutre, tudo em LP,
claro. Aquele ano do Rock in Rio foi a explosão do rock pesado no Brasil, o consumo foi avassalador.
SP Metal II. Coletênea da Baratos Afins. Sucesso total! |
Extinta Opus Discos. Muitas histórias. (Foto DN) |
Em Fortaleza, as
lojas focaram o Centro como abertura da cena. O Chakal e o Tony, com a sua Opus,
que surgiu em maio de 1984, foram as primeiras especializadas, nos andares
superiores da Galeria Pedro Jorge. Os dois conhecedores do
mercado e colecionadores desde a juventude, ou seja, entendidos no ramo. Havia
ainda a Disco Mania, que hoje está no térreo após se desgostar de rock. Também a
Rainbow, que teve vida curta, assim como breve a do Marcelo, do Trem do Futuro,
no prédio oposto, na mesma galeria. Foi uma tentativa de continuar difundindo o
rock progressivo.
Naquela galeria gravei muitas fitas cassetes com meu amigo Régis "Bicudo" Ribeiro, principalmente durante sua longa passagem pela Opus Discos. Somente em 1993 pintou por lá, no mesmo local em que foi a
Metal Mania, a Underground, do mago do death metal, Everton de Castro, promotor
de festivais que marcou profundamente o nosso movimento, hoje proprietário da
Dying Music, em Natal RN. Em seguida vieram a Darkness, do Carlinhos Cabeludo, a Gallery CDs, dos irmãos Emídio e Hamilton; e a Planet , do Marcio Alves, uma das mais completas do País na
atualidade. Já na rua 24 de Maio, também no Centro, o Ricardo Catunda abriu a Woodstock, que virou Whiplash Discos, e na Aldeota a Heavy Metal, do Loba, em 1986.
Regis. Uma vida na Galeria e no Rock |
Eu sempre ficava no aguardo das viagens do Tony Cochrane,
que quando voltava de São Paulo trazia grandes novidades, que eu gravava por lá
mesmo, seja com o Regis Bicudo, com o Banha ou com o saudoso Kiko. Houve uma
invasão de punks/hardcore que atraía os headbangers, como Crude SS, The
Varukess, Dead Kenneds, The Clash, Suicidal Tendences, The Exploited, mas as
coletâneas nacionais também marcaram, como “Ataque Sonoro”, destacando-se
Garotos Podres, Armagedon e o Cólera, que era o proprietário do estúdio. Outras
coletâneas undergrounds foram “O Começo do Fim do Mundo”, a “SUB”, que lançou o
Ratos de Porão ao lado da Psykose e Fogo Cruzado; e o “Grito Suburbano”, com
Cólera e Olho Seco. Individualmente, o “cross over” do Lobotomia (“Só os Mortos
não Reclamam”) marcou demais, sem esquecermos o “Disco Verde”, famoso split do
Ratos de Porão e Cólera, ao vivo, embora o “santinho” do Gordo tenha se negado
a tocar ao lado do Cólera.
As Gravadoras Thrash
Paranóia em 1986 (jornal O Povo) |
Produtor Jon Zazula e Metallica |
A NWOBHM também foi
fundamental para o crescimento do metal europeu (sem citarmos a Inglaterra),
que tinha a Noise Records como notável impulsionadora, com destaque para a
Alemanha, terra de bandas que detonam até hoje: Accept, Grave Digger, Tankard,
Running Wild, Helloween, Blind Guardian e Kreator, que veio do Tormentor. O
Sodom teve uma recepção grandiosa com o seu EP “In the Sign of Evil”, em 1984,
pela Steamhammer. A outra idolatria alemã se chama Destruction, sempre
referência do thrash, de som rápido, pesado, e ainda chancelada pelos seus
líderes desde a formação, Mike e Schmier, que bombardearam a capital cearense
duas vezes. Ao mesmo tempo, naquele ano da formação do Destruction, 1982, a
suíça Hellhammer também lançou sua demo de chegada, originando dela o Celtic
Frost, de uma representatividade espetacular entres os bangers brasileiros. O
Bathory, da Suécia, mais um que marcou presença no black metal, mas depois
foi mal recebida a notícia de que o Quorton era membro único. Da Bélgica a
excelente speed metal Acid, da vocalista kate; e da Dinamarca veio o Artillery, mais um revelado pela Neat
Records, com responsabilidade americana da Metal Blade Records. Em 1984 eu
consegui a demo “Shellshock”, começando pela “Time Has Come”, com aquele sino
ao fundo lembrando a pegada do Black Sabbath, versão imbatível. Foi um alvoroço.
Todos o regravaram, sendo destaque nas reuniões e encontros nos finais de
semana, quando levávamos nossos gravadores para ouvirmos as novidades das fitas
k7, muitas vezes fazendo “gato”, aproveitando energia elétrica pública.Todas
essas bandas de thrash/power/speed/death/doom/black metal surgiram pela base,
ou seja, gravaram demo tapes, partindo para as gravadoras independentes e a
partir de então alçaram voos.
As Primeiras Bandas de Fortaleza nos Anos 1980
Perfume Azul em 1978 |
Arte & Manhas. Paulada feminina já em 1981: Cida Vieira, Nina Freitas, Ana Lúcia Castelo e Tetê Moreira. |
As bandas punks
seguraram firme o underground da cidade, com Ramorte, Repressão X, Resistência,
Estado Indigente, seguindo as pegadas da avalanche, que vinha de São Paulo, com
Olho Seco, Cólera, Garotos Podres, etc. Da ala feminina cheguei a conhecer três,
todas músicas, que também curtiam heavy metal:
Guacira, Flor e Eliane (que em 1986 tornou-se Eliane Zoeira, por causa
da sua banda). Dois dessa turma batalhadora, que já partiram, foram Dedé Podre,
que tinha a mania de sabotar as aparelhagens das bandas de metal para que se
abrisse espaço para as punks, e o lendário baterista Mano (Ramorte, Estado
Indigente, Repressão X e HLV3 Positivo), o primeiro da Beowulf, metal clássico
do Parque Araxá. Festivais exclusivos deles ocorriam aos domingos, num pequeno
clube chamado América, no distrito de Jurema, em Caucaia CE. Fizemos alguns
festivais juntos, metal e punk, na Capital, aos quais nos reportaremos adiante.
A Uranium 38 foi um
projeto iniciado em 1983, quando uma turma recém-chegada dos shows do Van Halen
e Kiss, ocorridos no sul do País, resolveu montar uma banda. Estruturada pela
maior fã do Kiss que conheci em Fortaleza, Tetê Moreira, ex-baterista do Arte & Manhas e do Ramorte, contava ainda com o baixista Júnior ( que mais tarde foi para a
Paranoia), Ronald de Carvalho (ex-baixista e então guitarrista do Perfume Azul)
e pelo vocalista Marquinhos. Tinha tudo para se estabelecer, pois se tratava de
uma época em que o cenário carecia de grupos de rock, quanto mais de heavy
metal. Em 1984 começaram os ensaios na casa da Tetê, no bairro José Bonifácio,
os quais eu e meus amigos Jander e Rogério Kiko (RIP) tivemos o prazer de assistir. Foi
lá onde quase desmaio ao dar de cara com as coleções das
revistas Circus e Hit Parader. O som era heavy puro, com muitos solos e pitadas de Judas, Van Halen e Kiss. Estava tudo certo para o primeiro show, mas
de repente acabou o sonho. Explodiu a bomba sem que nunca soubéssemos qual o real
motivo, apenas o velho “demos um tempo”.
Asmodeus,1984. História do Metal Cearense |
No final de 1984, aí
sim, surgiu a Asmodeus, a primeira banda de metal pesado a fazer um show na
cidade. Seus ensaios ocorriam primeiramente na residência do Herculano (baterista), na Cidade dos Funcionários. Para nos deslocar para lá era uma "viagem", mas valia a pena. Em seguida o mesmo foi substituído por Aristides, que morava na Aldeota e onde passaram a ensaiar. Certa vez, em 1985, fui autorizado a fazer a gravação da demo através do meu gravador National japonês. Instrui o então trio, Anderson (baixo), Magela (guitarra e vocal) e o Aristides a tocar pesado, como se
estivesse num coliseu lotado. E deu certo. Saí pela cidade mostrando a demo
para a galera, que passou a pressionar para ver os ensaios e exigir shows, o que, sobre a primeira exigência, foi inviabilizada porque se realizavam numa
residência, cuja família, por si só, já se incomodava com o barulho dos
meninos. Mas seu único show, até então, ocorreu durante o Metal Devastation, em setembro de 1986, no América, famoso clube da Av. Dom Manoel,
Centro de Fortaleza. A galera quase pôs o clube ao chão.
Tempestade Metálica
Na noite de 5 de agosto de 1985, num sábado, as estrelas
brilharam mais forte. À frente o maravilhoso casal Dora e Wellington Santos,
acontecia a TEMPESTADE METÁLICA em pleno corredor Av da Universidade, o então
Casarão Democrático, hoje sede do PT, em Fortaleza. Primeiro festival de Heavy Metal de Fortaleza, organizado pelo DCE da UECE e apoio do True’s Metal F.
Club. Obviamente, tendo em vista as limitações físicas da casa, a divulgação do
evento de som mecânico foi verbal, boca a boca, mais massiva entre os
universitários do que entre os bangers, de modo que os que foram sabiam que
iriam ouvir rock pesado.
1985 - O cartaz fala por si. |
Lucas e os Marcos da Orpheus |
Então a galera foi
chegando, chegando, nossas fitas do Iron Maiden, Venom, Metallica e Anvil
metendo a sola; Ju e a Olindina bangeando conosco, quando vejo do lado de
fora a galera – apaixonada, do Bremen, que logo empurrei para dentro. Depois
mandaram me chamar: os punks! Dedé Podre e os santinhos da zona norte e Caucaia,
inclusive minha amiga Eliane Zueira. Pedi respeito e eles se
comportaram. Sonzão violento, vizinhança morrendo de medo, polícia perguntando
“ que é que há? ”Rock´n´Roll! Enfim, tudo terminou em paz. Em outubro de 2015,
no GRAB, Gino Produções realizou o festival comemorativo aos 30 anos do evento.
Sucesso absoluto.
Primeiros Eventos de Heavy Metal em Fortaleza
28/01/1984: Baile em casarão no bairro Damas. Som mecânico.
Promoção True’s Metal F. C. No dia do comício "Diretas Já" na Praça José de Alencar. Presentes, Lucas Powerhead, Jander Martins, João Carlos, Washington e roqueiros locais.
05/08/1985:
Tempestade Metálica (Casarão Democrático - PT). Som mecânico. Promoção DCE
UECE/ True’s Metal F. C.
18/01/1986:
Tempestade Metálica II (Casarão Democrático - PT). Som mecânico. DCE UECE/
True’s Metal F. C
06/09/1986:
Tempestade Metálica III (America Club). Som mecânico. Promoção Ricardo Leba
(Heavy Metal Discos) e Ricardo Catunda (Woodstock Discos).
20/09/1986: Metal Devastation (América Club). Asmodeus. Promoção:
Ricardo Catunda (Woodstock Discos).
Zines e bandas até 1986:
- Heavy Metal Sons. Redatores:
Augusto Death Metal, Ronaldo Slatanic, Bremen Quixadá, Régis Bicudo e Sidney.
Bandas: Sarcófago, Mutilator, Megahertz, Bathory, Bulldozzer, Slayer, Kreator,
Sodom, Destruction, Manowar, Voivod, Sabbath, Metallica, Judas Priest, Razor,
Iron Maiden, AC/DC e outras.
- Dirty Rotting.
Redatores: Régis Bicudo, Ronaldo Slatanic e Heber Satã Metal. Bandas: The
Varukess, Crude SS, Rattus, Fear of War, DRI e outras de influências hardcore.
- True´s Metal F. C.
Redatores/colaboradores: João Carlos Hammett, Jander Fate Martins, Ferré
Kilmister, Lucas Powerhead, Denilson e Ricardo Belcofini; Claudio Ferme e arte de Nertan Conan Cruz. Bandas: Black Sabbath, Venom, Anvil,
Judas, AC/DC, Destruction, Grave Digger, Accept, Metallica, Iron Maiden e
outras.
Até o final de 1986, destacaram-se as bandas Paranóia (Gato,
Marcos, Juarez Junior e Tony), Orpheus (Marcos Ary, Tales, Afrânio e Marcos
Aurélio) e Asmodeus (Afonso, Magela, Anderson Frota, Herculano e Aristides). Por
trás delas uma verdadeira legião headbanger, uma paixão que só aumenta,
transcende à loucura, loucura por uma vida de liberdade e harmonia. Com fãs
sempre unidos.
2017: Galera de 1985: Ferré, Damilo, João Carlos, Bremen, Régis e Lucas Powerhead em frente ao pub Maria Bonita |
2016. Velha tropa durante festival com Vulcano, Krisiun, Dark Syde, SOH e Metacrose. Ferré, de gorro, no centro. |
Colaboradores: Carlinhos Halford, Regis Ribeiro, Bremen Quixadá e Mário Henrique.
Fotos de Rataplans, Big Brasas e Os Canibais, gentileza Will Nogueira.
Fonte de pesquisa: "Pequena e Resumida História do Rock Cearense (Ele Existe)” - Por Luiz Antônio (Amorocratas). Jornal Tribuna do Ceará - 1988.
Fotos de Rataplans, Big Brasas e Os Canibais, gentileza Will Nogueira.
Fonte de pesquisa: "Pequena e Resumida História do Rock Cearense (Ele Existe)” - Por Luiz Antônio (Amorocratas). Jornal Tribuna do Ceará - 1988.
Bela matéria....Lucas Junior Powerhead demonstrou garra e um espirito investigativo catalogando e procurando dentro do possivel organizar cronologicamente essa Rockstoria . Fico imaginando quanta gente ele procurou para ajudá-lo nas lembranças....Lembro bem que ele várias vezes me procurou e questionou suas lembranças com relação as minhas...
ResponderExcluirExcelente blog. Li muito sobre a parte musical, tendo em vista que sou fundador do Conjunto Musical Big Brasa, de Fortaleza, e trabalhei nas televisões TV Ceará Canal 2 e também na TV Educativa do Ceará. Sobre música escrevi três livros, em especial dois deles sobre o Conjunto Big Brasa. Caso haja interesse favor entrar em contato pelo meu Facebook.
Excluirhttps://www.facebook.com/jrsilvaneto/
Bela materia, mas deveria ter lembrado que na feirinha do otavio bonfim, assim como a da treze de maio, tambem era um point de encontro de punks e headbangers. No parque araxa também tinha o menor, lendário negociantes de discos que ainda esta por ai.
ResponderExcluirObrigado, Daniel. Voce tb é uma grande colaborador.
ExcluirExcelente matéria ta de parabéns o trabalho agora eu não vi nada sobre o Cumbuco Rock que foi realizado na década de 80, você teria como conseguir algum registro desse festival?
ResponderExcluirObrigado, Abner. Citamos festival de Tabuba, que originou o disco Fotografia. Deve ser o mesmo. Mas se ouve outro nos ajude. Abraço.
ExcluirPARABÉNS, FIQUE MUITO FELIZ EM SABER QUE A HISTORIA FICOU GUARDADA, EM MELHOR AINDA SABER QUE OS MEUS AMIGOS (ROCHA E ZÉ CARLOS) RIP FORAM LEBRADOS AQUI!!!
ResponderExcluirObrigado. Jamais os esqueceremos.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue momento especial ler essa matéria, lembrei da minha infância e adolescência no Parque Araxá, vislumbrava o Bicudo com outros Punk's passando por minha rua (José Sombra, 155 - na época). Dedé Podre, lembrei do Internacional Clube no Monte Castelo com seus brilhantes anônimos que sonhava em ser num futuro. Meus olhos viram! Tive várias vezes com Sergio Batera na ponte do Baixa Pau, conheci a Flor e gostaria de conhecer mais sobree a mística história do Luiz Carlos Porto.
ResponderExcluirObrigado por essa matéria meu irmão!!!
Gostaria de uma autorização de publicar partes dessa matéria em um livro que estou escrevendo, comas devidas referências.
ExcluirEstou escrevendo um livro e quero solicitar a utilização de partes deszsa matéria com a inclusão dos devidos créditos nas referências.
ResponderExcluirDesde já, agradecido!
Excelente Matéria! Faltou mencionar o 1º Nordeste em Caos(Primeiro Festival de Bandas Punks do Nordeste), ocorrido em dezembro de 1987 no CSU do Conjunto Ceará.
ResponderExcluirBandas: Repressão X, Xerox Suburbana, Estado Mórbido, Explorados, Resistência Desarmada e Grillus Sub(CE).
Moral Violenta(PE) e jesus Bastards(BA).
Qual o fim de Berrah de Alencar ?
ResponderExcluirohhhhhhhhhhhhh morri kkkkkkkkkkkkkkkk adorei, euzinha ali naveguei por estas águas, muita emoção, este material aqui vale ouro meu irmão. bjs de uma artes e manhas.
ResponderExcluirQue tour-de-force esse seu texto, companheiro! Gostei muito. E agradeço a referência elogiosa ao meu trabalho de então. No século presente eu acabei ficando mais conhecido como ex-guerrilheiro e antigo preso político do que como o crítico de rock que fui entre 1979 e 1984, mas no meu blog naufrago-da-utopia.blogspot.com há algumas dezenas de posts sobre o rock, paixão que nunca morre. E, aos 70 anos, continuo firme e forte, ainda travando o bom combate. Um forte abraço! (André Mauro, aliás Celso Lungaretti)
ResponderExcluirCara, citou só o Nertan. Faltou o restante do pessoal da Parquelândia: Nilton Maiden Metal(in memoriam) e seu irmão Hélio Onanista, Claudio Bocão, irmãos Márcio e Gilberto da Banda Moralismo Venéreo, Neto Vulcano(baixo), Raimundo Twister Sister(batera) e seu irmão César Homem Lontra (vocal), os três da Banda Exilados, e Manoel Dead Kennedys, Carlos César Kuru(Punk) e por aí vai...
ResponderExcluirCara, citou só o Nertan e o Joaciro(in memoriam). Faltou o restante do pessoal da Parquelândia: Nilton Maiden Metal(in memoriam) e seu irmão Hélio Onanista, Claudio Bocão, irmãos Márcio e Gilberto da Banda Moralismo Venéreo, Neto Vulcano(baixo), Raimundo Twister Sister(batera) e seu irmão César Homem Lontra (vocal), os três da Banda Exilados, e Manoel Dead Kennedys, Carlos César Kuru(Punk) e por aí vai...
ResponderExcluirtinha uma banda punk no irapuan lima que os caras da banda Hum relutavam e dar os instrumentos.Lembro da última paresentação cujo o baixista quebrou a corda do baixo.você lembra dessa banda???
ResponderExcluirExcelente blog. Meu nome é João Ribeiro (Beiró) e fui guitarrista-solo do Conjunto Musical Big Brasa. Li muito sobre a parte musical, tendo em vista que sou fundador do Conjunto Musical Big Brasa, de Fortaleza, e trabalhei nas televisões TV Ceará Canal 2 e também na TV Educativa do Ceará. Sobre música escrevi três livros, em especial dois deles sobre o Conjunto Big Brasa. Caso haja interesse favor entrar em contato pelo meu Facebook.
ResponderExcluirEm meus livros há muitos relatos sobre o Pessoal do Ceará e de nossas idas aos Festivais de Música Popular em Recife, Pernambuco, com o Ednardo, defendendo a música Beira-Mar. E para não deixar de registrar para amigos e familiares escrevi em meus espaços no Facebook uma série sobre as minhas experiências na TV Educativa e nos programas Show do Mercantil, apresentado pelo Augusto Borges na TV Ceará, Canal 2. Tudo faz parte de tempos inesquecíveis.
Os interessados por meus livros podem me informar pelo Messenger (fiz questão de presentear amigos, familiares e fãs do Big Brasa com centenas de exemplares físicos). Mas tenho os livros em formato eletrônico . Um abraço em todos. Em breve mais um livro meu sobre a minha participação de três anos com o Conjunto Musical Os Faraós. Também tem muita história interessante.
https://www.facebook.com/jrsilvaneto/