Tremembé - Os Índios de Almofala
Litoral norte cearense. A 260 Km de Fortaleza encontramos um distrito já desenvolvido, a procura de sua emancipação, cuja história, porém, alimenta passagens marcantes do povoamento indígena do Ceará.
Capela de Almofala |
A origem dos tremembés continua
sendo um mistério. Barão de Studart sugere “tronco dos cariris” (que teriam sido expulsos do litoral). Para Pompeu Sobrinho fariam parte da
“terceira corrente migratória, oriunda da Sibéria, que alcançou o Novo Mundo
pelo estreito de Bering". Na América, teriam largado o Pacífico,
estabelecendo-se, no Brasil, no Maranhão, entre São Luís e os Lenções (Tutóia). No Ceará, das faixas litorâneas ao pé da Punaré (Ibiapaba) após
lutas contra os grandes rivais tupinambás. Já outra corrente, a qual corroboramos, acredita que faça parte dos humanos oriundos da África, chegados ao Brasil via embarcações simples, cortando o Atlântico, seguindo ilhas após ilhas, há cerca de 110 mil anos. Mais do que etnia, seriam Nação.
Contatos com os Brancos
Em janeiro de 1604,
membros da primeira expedição portuguesa no Ceará, liderada pelo capitão-mor
Pero Coelho, tiveram firme contato com os índios, conhecidos pela desconfiança dos invasores, de difícil articulação com os brancos, e pela desenvoltura para a pesca e confecção
de machados de pedra, arcos e flechas.
Provavelmente poupados da morte devido à figura do soldado Martim Soares Moreno, então com dezoito anos e já fluente nos dialetos tupi e tapuia, mestre em relacionamento com os silvícolas e apoiado pelo líder potiguara Jacaúna, os portugueses conseguiram relativa sociedade com os tremembés. Na verdade uma aliança contra os serranos tabajaras-franceses de Ibiapaba.
Provavelmente poupados da morte devido à figura do soldado Martim Soares Moreno, então com dezoito anos e já fluente nos dialetos tupi e tapuia, mestre em relacionamento com os silvícolas e apoiado pelo líder potiguara Jacaúna, os portugueses conseguiram relativa sociedade com os tremembés. Na verdade uma aliança contra os serranos tabajaras-franceses de Ibiapaba.
A Aldeia
Foi em Almofala,
contudo, ao redor do Rio Aracati-mirim, então Acaraú CE (hoje Itarema), onde se desenvolveu uma
autêntica aldeia tremembé associada à religiosidade. Após a chegada, em 1702,
do padre José Borges de Novais, durante a "Missão Aracati-Mirim", que não era da Companhia de Jesus, ergueu-se, com a ajuda dos
primitivos, uma capelinha de taipa, denominada Nossa Senhora da Conceição, a qual guardava uma imagem, dourada, chamada "Labareda", a "Santa D'oiro", que teria sido encontrada na praia por índios, provavelmente
oriunda de um galeão espanhol naufragado. Os nativos se encantaram e a idolatraram.
Em 1758, conforme recibos de prestação de serviços, ocorreu a primeira reforma da capela, mas somente no início do Século XIX a construção passaria a se constituir de alvenaria, tijolos, telhas, piso e forro de cedro, cuja matéria-prima, cedida pela Rainha de Portugal, Maria I, nascida em 1734. Ao tomar conhecimento da imagem, a monarca propôs a troca, secreta, por outra e uma nova arquitetura da igreja. Assim, partiu de Salvador um navio até Acaraú, sendo que os próprios moradores a construíram. Conforme Maria Amélia Leite, da "Nação Tremembé", "a argamassa que uniu as paredes foi feita com o pó das conchinhas, dos búzios do mar". Segundo Antônio Bezerra, que esteve no local em 1884, registrando em "Notas de Viagem ", o formato da atual igreja foi concluído em 1802.
Com a invasão das dunas, a partir de 1898, soterrando o templo até 1942, o pároco da época (de Acaraú), Padre Antônio Tomás, após missa às 4:30 horas da manhã, em outubro de 1898, teve que levar o restante das imagens (as primeiras teriam sido retiradas no ano anterior) e o sino para Acaraú, a fim de impedir que fossem junto no soterramento da capela e parte da aldeia pelas dunas. Os índios trataram como “roubo”, embora o padre tenha justificado insistentemente durante as missas, e deixado escrito a sua versão. Segundo os primitivos, a verdadeira imagem, a do altar, nunca retornou, podendo estar no Museu Diocesano D. José, em Sobral, entre as que não possuem nome, verdadeiro descaso, pois até do sino original sente-se falta, e cujo som se foi com o testemunho dos moradores, falecidos. Consta catalogado no museu, entretanto, a porta de um sacrifício, em forma de cálice, talhada em madeira, com 51 cm, do Século XVIII. As demais reclamada seriam de N. Sra. do Rosário (de 77 cm, provavelmente cópia da "Labareda" sumida), São Miguel Arcanjo, São Benedito, São José e da própria N. Sra. da Conceição.
Em 1758, conforme recibos de prestação de serviços, ocorreu a primeira reforma da capela, mas somente no início do Século XIX a construção passaria a se constituir de alvenaria, tijolos, telhas, piso e forro de cedro, cuja matéria-prima, cedida pela Rainha de Portugal, Maria I, nascida em 1734. Ao tomar conhecimento da imagem, a monarca propôs a troca, secreta, por outra e uma nova arquitetura da igreja. Assim, partiu de Salvador um navio até Acaraú, sendo que os próprios moradores a construíram. Conforme Maria Amélia Leite, da "Nação Tremembé", "a argamassa que uniu as paredes foi feita com o pó das conchinhas, dos búzios do mar". Segundo Antônio Bezerra, que esteve no local em 1884, registrando em "Notas de Viagem ", o formato da atual igreja foi concluído em 1802.
A Invasão das Dunas
Período de 45 anos invadida pelas dunas |
Tombamento
A partir de 1954
passou a pertencer à Paróquia de Itarema, aos cuidados do Padre Aristides
Andrade Sales, da Diocese de Sobral, posteriormente prefeito de sua terra, Acaraú. O que não impediu o seu abandono, pois foi necessária a intervenção
do IPHAN para a sua recuperação, em 1984, quando foi tombada.
Foto Jornal O Povo 1992 |
Os Estudos do Professor Silva Novo
Na época com cerca de
trezentos habitantes, Almofala recebeu o visitante com receptividade. Silva
Novo aproximou-se de Tia Chica, nativa, 99 anos, cega de catarata, de quem
enriqueceu seus conhecimentos sobre os tremembés. Dela vieram as lembranças
dos 45 anos do soterramento da capela, do sumiço da
Santa (e briga por ela), da lenda do Guajará e as reclamações sobre a “chegada
da civilização”.
Consta que “Guajará” era uma espécie mística como o Saci e a Caipora, que, embora “invisível”, morava nos mangues do Aracati-mirim, “buliçoso” e às vezes “maléfico”. A velha dizia que o medo maior vinha quando ele usava “forças” que “seguravam as pessoas”, impedindo-as de prestarem um serviço. Ela relatou ainda o testemunho, ao lado de sua neta, de visões de um navio enorme, com cerca de “duzentos metros”, que surgia na “risca do mar”, sob forte luminosidade: “o mar começava a rolar como que querendo devorar a nossa Almofala”, memoriza, e então rezava para Nossa Senhora dos Navegantes e a imagem desaparecia. Eis aí uma superstição que lembra a fé cristã, não fugindo à utopia do fanatismo, dos religiosos nordestinos.
Itarema e seu lindo litoral (Folha do Ceará) |
Consta que “Guajará” era uma espécie mística como o Saci e a Caipora, que, embora “invisível”, morava nos mangues do Aracati-mirim, “buliçoso” e às vezes “maléfico”. A velha dizia que o medo maior vinha quando ele usava “forças” que “seguravam as pessoas”, impedindo-as de prestarem um serviço. Ela relatou ainda o testemunho, ao lado de sua neta, de visões de um navio enorme, com cerca de “duzentos metros”, que surgia na “risca do mar”, sob forte luminosidade: “o mar começava a rolar como que querendo devorar a nossa Almofala”, memoriza, e então rezava para Nossa Senhora dos Navegantes e a imagem desaparecia. Eis aí uma superstição que lembra a fé cristã, não fugindo à utopia do fanatismo, dos religiosos nordestinos.
Tremembés no Festival
O Torém, por Silva Novo |
Questões de Terras
Em 1992, com as terras invadidas por colonos (na época uma reserva de 4.000 ha registrada em cartório), os nativos enfrentaram o maior dos problemas. Ameaçados de morte, notadamente o cacique João Venâncio, lutaram contra os brancos, ainda que muitos tenham fugido. Foram necessárias as intervenções da CNBB, Funai e Ministério Público para contornar a desavença.
Jornal O Povo, 29/11/1992 |
Enfim, a perfeição do
Dr. Adalberto Barreto (O Povo, 1/12/1992): “Tirar o índio de sua terra é como
tirar o peixe da água, o cancão da mata, a aranha de sua teia. E enquanto ainda
restam alguns índios resistindo a morrer, vamos emprestar-lhes nossa vozes,
cantando com eles o Torém para lembrar ao homem caçador de homens que não pode
haver vida lá onde não há harmonia, lá onde o homem não se alia com a natureza”.
E eu, nos meus
sonhos, no navio de Tia Chica, sem ondas, iluminado sim. Luzes infinitas, para
todos os índios, para todos os povos.
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