Religiosidade e os Encantos de Criança.
Quando criança e
adolescente uma das minhas maiores alegrias era a chegada do mês de dezembro.
Passar as férias no interior, brincar, correr, pedalar, jogar a minha bolinha,
sentimento que aflorava meu ímpeto de liberdade, era o que eu buscava, e
conseguia. A meninada amiga se juntava
em meio aos sorrisos radiantes, ausentes dos problemas de um País autoritário,
em plena ditadura, na certeza de uma vida talhada para se curtir, daí o meu
encanto pelos legados dos baixinhos.
Presença certa,
minha, no exprimido espaço voltado ao público durante os leilões na Praça da
Matriz. Festa da Padroeira, barracas e parques alugados pela Santa (para a Paróquia),
sob à administração do bispado. Gente” graúda” nas mesas reservadas e as beatas,
ainda com as vestes de vestido simples e sandálias de tiras, terços às mãos, cochichando,
em pé: “mulher, tu viu a cara do prefeito com a primeira dama? Quem tu acha que
vai gastar mais?” Não entendia aquela conversa, o importante era que houvesse
disputa e no final o sorriso e aplauso da multidão para o “vitorioso”
arrematante. E ficava triste por não ver meu pai ali, dando seus preços,
mostrando que “era rico”.
Neste ano, passando
férias, deitado na rede de mamãe, vi que havia um papel sobre a cama e o li.
Era a prestação de contas da Paróquia sobre o novenário, os nove dias dedicados
à tradição religiosa, com as arrecadações das barracas, aluguéis de pontos,
como ao parque de diversões (já que quase toda a cidade pertence à Santa, que
negocia, via Clero, suas terras mais distantes para não se separar da sua parte
próxima à Paróquia), vendas de materiais, bingos, líquido dos leilões, e até os
valores doados com os referidos nomes, a maioria políticos e comerciantes, que
nem na minha época de menino. E tive um ímpeto de antipatia, constatando que a
religiosidade é uma moldura da ganância do capitalismo. Aquela folha era o
espelho do poder impenetrável da elite e a ingenuidade da minha gente.
Fato curioso, ainda
na carona do catolicismo, ao qual pratico, foi a cena ocorrida durante a
lembrança da morte de Padre Cícero (80 anos), em 2014, em Juazeiro do Norte, CE.
Os políticos famosos Aécio Neves e Tasso Jereissati, durante uma missa em praça
aberta, dentre as autoridades, isolados por faixas de segurança, sobrando
cadeiras e espaços, enquanto o povão (estimou-se em 500 mil visitantes) do
outro lado, acotovelando-se para não perder a benção do seu líder imortal, que
por sinal tem a minha estima, tudo sob a conformidade dos realizadores, religiosos.
O atrelamento da Igreja ao poder econômico continua uma
realidade. Por isso a divisão de classes, poder e submissão. Nosso povo foi
preparado para não progredir, continuar financeiramente pobre e reverenciar a
quem pode ter o luxo. Não adiantam os esforços de governos que se julgam
populares se não agem pela base, pois educar é mudar a partir do campo. Mostrar
que o pobre tem dignidade para estudar com bons professores, que lhes mostrem
os erros da Igreja, da sociedade, a ambição do capital.
Que consigamos
transmitir a nossos filhos que somos envoltos de ilusões, como os encantos dos leilões,
peças de arrecadações fáceis e amostra descabida de concentração de renda, o
maior desafio do País após a saúde e a educação. E saibamos distinguir a prática
religiosa do que está escrito na Bíblia, que evidencia a simplicidade e a vida
solidária, bem longe, infinitamente distante do que li na folhinha que mãezinha
trouxe lá da pracinha, a pracinha de minhas sorridentes correrias, ao lado de
amigos que mal tinham o que comer, mas sim sonhos, como todos, sonhos por liberdade,
mas acima de tudo igualdade.
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