Consciência Negra - O Exemplo do Ceará

                                                         Quilombolas do Tururu

 Zumbi dos Palmares, que o Brasil saúda em 20 de novembro, é um exemplo de resistência ao ódio e preconceito racial, chegando aos dias atuais como ponto de reflexão sobre a resistência em geral, à degradação a que chegamos, assombrados com manifestações preconceituosas, e não punitivas, oriundos de setores elitizados da sociedade.
 Como em Alagoas do Sec. XVII, o Ceará teve a presença de escravos, com seus trabalhos desumanos, salvo exceções, ainda que em menor número do que nas regiões canavieiras. Raimundo Girão, em “A Abolição no Ceará”, cita Mathias Beck, que após derrota para os índios potiguaras/tapebas, em 1644, avisado da insurreição, com o Forte de São Sebastião, edificado por Martim Soares Moreno na Barra do Ceará, incendiado, e mortos seus comandados, partiu de Pernambuco do Príncipe de Nassau levando dez negros, que teriam sido os primeiros do Ceará. Um deles se chamava Domingos, pródigo em dialetos indígenas, e fiel aos interesses holandeses, que se resumiam à exploração da mineração.
 A partir de 1742, muitas naus portuguesas desembarcaram em Fortaleza com negros da Guiné. Escravizados, foram vendidos aos fazendeiros/coronéis, a maioria oriunda da Bahia e Pernambuco, para criação de gado, aproveitando as vastas planícies cearenses. E para explorações em minas, alguns se deslocaram para o Cariri, surgindo, em seguida, os engenhos.
 As maiores populações de escravos, em terras cearenses, ficavam em Tauá, Jaguaribe e Quixeramobim, onde hoje se constata evidências das aberrações de então, como o pelourinho. Durante as fugas desesperadoras, pelos altos das serras, para evitar pistas, alguns quilombos foram criados, destacando-se, ao norte, aquele que mais resistiu ao tempo, preservando a cultura africana.
 Nas proximidades da majestosa cordilheira de Uruburetama (por onde passaram Moreno e os padres Luís Figueira e Francisco Pinto, no início do Sec. XVII), esses irmãos de sangue negro criaram a comunidade quilombola Conceição dos Caetanos, iniciando ali um trabalho social voltado à agricultura, especialmente plantações de feijão e mandioca, além da caça. Isso num grupo fechado, alheio aos acontecimentos nas grandes vilas.
 Em 24 de maio de 1883, após uma valorosa campanha, como passeatas, à frente mulheres como Francisca Clotilde, Maria Tomásia (notável oradora) e Elvira Pinho, viu-se reunida na Assembleia da Província, autoridades e lideranças populares, liderados por João Cordeiro, então presidente da Sociedade Cearense Libertadora. Estavam livres os escravos de Fortaleza/Maranguape. No ano seguinte, continuado a luta pelos mesmos abolicionistas, a liberdade veio para todo o Ceará, através de Redenção, na época Acarape. Entre grandes lideranças dessa luta, destacaram-se Isaac Amaral, Padre Frota, Antônio Salgado, Teodomiro de Castro, Antônio Cruz, Alfredo Salgado, Rodolfo Teófilo, João Brígido, Costa Barros, Dragão do Mar, José Marrocos e os poetas que tão bem expuseram a alegria da liberdade: Justiniano de Serpa, Antônio Bezerra e Antônio Martins. (abaixo, Sessão Magna pela abolição dos escravos, em 1883, bem antes do País. Gravura de José Irineu de Souza. "Fortaleza Liberta")

 Ao tomarem conhecimento da “liberdade”, muito tempo depois (1888) os Caetanos se dividiram em dois: o anterior e a Água Preta. Era uma das piores secas da história, sendo ela o motivo maior da separação a fim de mais liberdade para sobrevivência. Mais adiante, assombrado com novas secas que devastavam plantas e matavam os animais, o líder de Água Preta, João Bertoldo (foto O Povo, 24/12/1985), partiu a pé para a “Cidade” (Fortaleza), procurando apoio. Não tinha escolha, mas venceu.

 Já o líder de Conceição dos Caetanos, José Caetano da Costa, chegou a expulsar uma professora de cor branca, lembrando o passado de sofrimento, mas recuou. Até hoje existe a escola, cujo nome a homenageia. Também proibiu o consumo de bebidas “perigosas e viciantes”, como a cachaça, liberando apenas durante os festejos da padroeira, Nossa Senhora das Graças, em novembro, encerrando-se no dia 27.

 Como tudo se transforma, chegou energia elétrica e com ela a TV e a tecnologia. Os Caetanos de hoje são civilizados conforme a modernidade, porém o foco, a resistência, a tradição e a coragem desse povo jamais serão esquecidos. Certamente o legado não fará com que as novas gerações mantenham a essência. Que as chamas dos quilombos não se apaguem, que a consciência seja geral.

Comentários

  1. Dia da Consciência Negra = 20 de novembro
    Dandara: A Face Feminina de Palmares
    Dandara dos Palmares: liderança feminina negra que lutou contra o sistema escravocrata no Brasil do século XVII.
    Dandara: lutava por liberdade, acreditava em seus sonhos.
    Dandara: a esposa guerreira de Zumbi dos Palmares, com quem teve três filhos.
    Dandara: prova real da inverdade do conceito de que a mulher é um sexo frágil.
    http://forumdemulheresnofisco.blogspot.com.br/2014/11/dandara-dos-palmares.html?spref=fb
    Blog do FMFi- Fórum de Mulheres no Fisco

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