Brasil Holandês - 3 de Abril de 1649, Mathias Beck Chega a Fortaleza

Schoobenborch (1649). Os portugueses o denominaram Assunção

 Remonta ao século XVI a presença de holandeses, associados ou não a ingleses, a pilhagem no litoral brasileiro, roubando e incendiando navios portugueses, como em 1587 na costa de Pernambuco. Começava a relação daquele povo dos Países Baixos com estas terras, fato que mais tarde foi além da pirataria, ao processo de colonização.
 No século XVII, a criação da Companhia das Índias Ocidentais fundamentou a estratégia holandesa no sentido de reverter a crise diplomática surgida após a criação da União Ibérica, conquistando espaços comerciais na África (Angola), no Pacífico (Nova Guiné) e América (Brasil). Aliada e chefe administrativa, a Espanha proibiu a continuidade do comércio até então amistoso de Portugal com a Holanda, que iniciou, em 1624, a conquista do nordeste brasileiro com suas enormes esquadras, constituídas por veleiros e iates. Célebres navegadores, os flamengos sonhavam com a posse da Bahia, mas ,na prática, fracassada após duas tentativas e uma à Itaparica.
 Sob comando de Hendrik Cornelizoom, somente em 1629, após breves passagens pelo Amazonas, Paraíba e Ceará, decidiram partir para Pernambuco. Do lado contrário, na defesa, o capitão-mor da província, Matias de Albuquerque, edificou fortes, mas não impediu a conquista de Olinda, a capital, em fevereiro de 1630, seguindo-se do Recife. No Arraial de Bom Jesus, entretanto, a resistência, à frente Martim Soares Moreno, prejudicando o acesso a água potável e frutas, deixando vários soldados flamengos doentes. De dezembro de 1630 a abril de 1631, as frotas rivais se defrontaram, com perdas nos dois lados.  Nesse ano, o primeiro governador holandês, Coronel Waerdenburch, mandou destruir e evacuar Olinda, dando atenção ao Recife. Foi quando passou a ter o apoio de mulato nativo Domingos Fernandes Calabar, que agia como espião entre os portugueses.
Batalhas entre esquadras espanholas e holandesas foram comuns na costa nordestina

 Dois anos após, com ajuda do cacique potiguara Jandovi, conquistaram o forte dos Reis Magos, no Rio Grande, onde além de açúcar, possuía gado. Passou aos cuidados de Joris Garstman, com  novo nome, Fort Ceuden. Nessa época, aproveitando a ausência de Moreno, Garstman e Hendrick van Ham fizeram incursões no Ceará em busca de prata e sal, além de estudos sobre o ponto estratégico com destino ao Maranhão.
 Crescia o poder holandês, enquanto a guarda portuguesa protegia a capital, Bahia. Em julho de 1635 conquistava o Arraial, e assim as capitanias de Pernambuco Rio Grande (do Norte), Itamaracá e Paraíba estavam tomadas, em meio à lutas constantes, que começavam no mar e terminavam nos matagais, com vitórias holandesas.
Maurício de Nassau, o governador do Brasil Holandês

 Chegara a hora de um administrador no Brasil, uma pessoa de confiança, ficando definido a pessoa do Conde Johann Moritz (Maurício de Nassau), neto-sobrinho de Wilhelm D’Orange, o poderoso da Holanda, nomeado governador-capitão e almirante-general. De religião protestante, experiente em batalhas vitoriosas por seu país, chegou ao Recife em janeiro de 1637. O seu empenho para o progresso do “Brasil Holandês”, contrastava com o desejo da Companhia de chegar à Bahia, no que opôs veementemente.
 Aproveitando-se do processo de armistício com Portugal, em pleno apogeu do governo de Nassau, em 1642, deu-se a conquista do Maranhão, localização privilegiada para se dirigir à Europa, revoltando os portugueses (já independentes após uma revolução). Então, após muitas tentativas, Portugal o retomou em 1644 (com o estrategista vitorioso Soares Moreno deslocado para lá), além do Ceará, que estava com Gedeon Morris. Em choque com os superiores e os fracassos na Bahia, Nassau entregou o cargo em 6 de maio. A Companhia endureceu com o Brasil, limitando a religião, aumentando os impostos, gerando revoltas populares.
 Numa delas, o mulato João Fernandes Vieira, em 13 de junho de 1645, iniciou uma guerrilha contra os holandeses. Então, o governador geral, João Telles da Silva, na defensiva devido ao armistício, enviou Soares Moreno e André Vidal de Negreiros ao Recife. Enquanto isso, os flamengos praticaram uma carnificina no Rio Grande (do Norte), gerando o rompimento dos índios de todo o litoral nordestino. Perdeu-se o controle.
 Recife tornou-se uma penúria naquele ano. Foi quando recebeu suprimentos durante a visita de cinco conselheiros, incluindo a do seu presidente, Walter von Schoonenborch, e o das finanças, Hendrik Haecx. Reestruturado, tentou-se conquistar em vão Itaparica (BA).
 Veio o tratado de paz Holanda-Espanha em 1648, o qual decidiu pela independência da Holanda frente às restrições do outro. D. João IV (Portugal), ficou temeroso, pois o isolamento acarretaria em tragédia, tentando negociar com o País Baixo, que exigiu muito, embora sofresse naquele ano a primeira derrota durante insurreição pernambucana liderada pelos portugueses.
 Enfim, no dia 19 de fevereiro de 1649, no Recife, a segunda Batalha dos Guararapes. Evidenciava-se a franca decadência holandesa. Pernambuco caía e o futuro lhe reservava uma nova perspectiva, mais ao norte, por isso foi deslocado, em abril, Mathias Beck para o Ceará.
 Em 15 de janeiro de 1654, os portugueses tomaram Recife, que fora a maior e mais progressista cidade do continente. Os holandeses assinaram a rendição no dia 26 seguinte. Anistia geral. Holanda desiludida. Com a morte de D. João IV em 26 de outubro de 1656, ela voltou a insistir pelo Brasil Holandês, mas um sonho. Os Estados Gerais (Haia), em 6 de agosto de 1661 fecharam questão num novo tratado de paz. Indenização de 8 milhões de florins e concessões de direitos comerciais em Portugal. Holanda perdia o Brasil e a Angola definitivamente.
Diário de Beck, no registro do Instituto do Ceará, ao lado de Martim
Soares Moreno e Padre Luís Figueira. Marco da história cearense,

 Mathias Beck, que partira de Amsterdã em 1635 para exploração de pratas em Alagoas, fora designado para colonizar a capitania de Martim Soares Moreno, o primeiro capitão-mor da mesma (1621). Deixou Recife ao lado de 297 pessoas a bordo de três iates e dois barcos, com escravos africanos, 19 índias e 49 índios, como o cacique Francisco Cayaba (“libertado” por ele) e Pedro Nhahangá, Miguel Pindoba, Gaspar Taschira e Cristóvão Parumpaba. Todos com patentes, forma de incentivá-los, aos quais não aceitava maltratos.  Aportou no Mucuripe no dia 3 de abril de 1649. Marcava o seu nome na história do Ceará.
 Numa terra indefesa, foi recebido com animosidade pelos nativos, liderados por Amaniju-Pitanga e Francisco Cayara (este se tornara seu grande amigo), a maioria apenas interessada em receber os brindes europeus, conforme escreveu no seu diário, tratando de procurar um lugar propício para as instalações. Após visitar a barra do Rio Ceará com Cayara, optou por se fixar às margens do córrego Pajeú, pela pureza da água, enquanto a outra possuía uma foz perigosa e carência de água potável.
 Procurou construir um forte o mais rápido possível, além de um caminho do ancoradouro às obras, na colina Marajaitiba, além de uma ponte sobre o riacho. Sob a responsabilidade do engenheiro Richard Caar, apresentou a planta no dia 10 de abril e de imediato as obras iniciaram a cabo de 40 soldados, pagos com fumo e aguardente. Para três dias após estava agendada a primeira expedição às minas de prata, em Taquara (Maranguape), de modo que o forte de Schoonenborch (o nome do tal presidente do conselho holandês) ficou pronto naquele dia chuvoso de 13 de abril de 1649, data fixada, muitos anos depois, pela Câmara de Vereadores como o aniversário de Fortaleza. Mas do ano de 1726, quando foi elevada à Villa pelo capitão-mor Manoel Francês.
 Porém, o comandante foi acusado de usufruir dos canhões e tijolos do forte de São Sebastião, construído por Moreno na Barra do Ceará (20/01/1612, data em que muitos consideram a verdadeira quanto à fundação da cidade). Devido à antiga ocupação flamenga (1637 a 1644), contudo, é provável que Garstman, logo na primeira estada, tenha modernizado a fortaleza.

Disse o historiador Raimundo Girão: “Embora tenha sido Martim Soares Moreno o legítimo conquistador do Ceará, e por todos os títulos seja considerado seu fundador, parece de justiça ligar a fundação da capital cearense ao nome de Mathias Beck, pois que a égide de sua fortificação e ampliando-se em volta desta é que ela se enraizou e cresceu”. O holandês, após a derrocada pernambucana em 1654, fugiu com a família, que chegara ao Ceará antes da rendição, para Barbados, nas Índias Ocidentais. Seu forte, a partir da recondução portuguesa, denominou-se Nossa  Senhora da Assunção. Até hoje.

Fontes: "Diário de Matias Beck"; "A Cidade do Pajeú" (Raimundo Girão. Ed. Henriqueta Galeno); "Mathias Beck e a CIA das Índias Ocidentais (Rita Krommer, Ed. UFC)

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