Boticário Ferreira - 29 de Abril de 1859 - Morre o Grande Urbanista e Lider Conservador

Boticário Ferreira - Liderança marcada pela contradição

 Nascido em Niterói (RJ) em 1799, onde seu pai foi soldado desertor, e ele, órfão de mãe e abandonado pelo genitor, recusado a servir na Cisplatina, partiu jovem para Recife com certa prática em farmacologia. Acolhido por um comerciante português, conseguiu da Junta Médica de Pernambuco a permissão para receitar. Foi então que conheceu o cônsul de Portugal no Ceará, Manoel Caetano de Gouveia, que o convidou para ser caixeiro viajante. 

 No Ceará, a partir de 1825, quis o destino que viesse salvar a esposa do cônsul da morte por parto, rendendo-lhe apreço e prestígio. Foi então que, apoiado pelo engenheiro Jacob Conrado de Niemeyer, abriu a sua botica no lado oeste da Rua da Palma (futura Major Facundo), em frente ao Largo da Feira Nova, que mais tarde cederia o espaço à praça que construiria, e que após sua morte levaria seu nome. Na calçada do seu estabelecimento os ricos aproveitavam a sombra e a brisa das tardes para jogo de gamão e as tradicionais conversas típicas dos cearenses. Futuramente o imóvel seria ocupado pela Farmácia Galeno (que embora levasse o nome da família de Barão de Aratanha, pertencia a Joaquim Studart da Fonseca) e Lojas Brasileiras.

Farmácia Galeno, no prédio onde onde funcionou a botica do Ferreira. (Fortaleza Nobre -  Foto histórica restaurada por Sydney Souto)
 Após o falecimento da esposa, Francisca Áurea de Macedo, natural de Aracati, com quem viveu por quinze anos, elegeu-se vereador até o fim da vida, ocupando, seguidamente, a presidência da Câmara Estadual (1843-1859), encarregando-se da tarefa de assumir oficialmente a prefeitura de Fortaleza, na qual procurou por em prática as decisões do Colegiado sobre o ousado e inédito plano urbanístico do português tenente-coronel Silva Paulet (1818), arquivadas desde a gestão do coronel Manuel Inácio de Sampaio (1812-1820).

 Quem a poria em evidência seria o seu auxiliar, arquiteto Adolfo Herbster, começando pela continuidade da reconstrução do forte do Pajeú, Assunção (antigo Schoonenborch), erguido pelo holandês Mathias Beck (1649) e tomado pelos portugueses (1654) após a derrocada de Maurício de Nassau em Pernambuco, seguindo-se da confirmação da prática do projeto de uma malha urbana em forma de xadrez, característica da cidade até hoje.

 Herbester, após a conclusão de estudos do Padre Manuel Riego Medeiros sobre as limitações existentes, elaborou a Planta Exata da Capital do Ceará, expandindo as áreas a serem exploradas, salvaguardando a sua vegetação e dando nomes a logradouros.

Praça do Ferreira, antiga Feira Nova


 Embora elogiado pela classe dominante de Fortaleza, defensora do Império, implodia na época em que chegara ao Ceará movimentos marcantes de defesa da República, no que, devido ao seu engajamento contra a revolução, constou, na década de 40, contra Antônio Rodrigues Ferreira de Macedo, O Botícário Ferreira, uma série de acusações.

 Em 1823, D. Pedro dissolvera a Assembleia Constituinte, surgindo, em Pernambuco, no ano posterior, a Confederação do Equador, pelo qual parte do Nordeste se separava do absolutismo. No Ceará, surgiu o “Governo Provisório”, comandado pelos “patriotas” ou “chimangos” (dos Alencar e Pereira Filgueiras), e mais adiante “liberais”, tendo como opositores os “corcundas” do partido “caranguejo” ou “carcará” (de Leandro Bezerra, também do Cariri), futuramente “conservadores”. A princípio, D. Pedro procurou conciliar as revoltas, reconhecendo os Alencar como governantes, ainda que por certo tempo, fracassando na tentativa de união.

 Durante o governo provincial do carioca Fausto de Aguiar, que se pronunciara simpatizante pelas mudanças no império, os liberais foram surpreendidos pelo recuo do chefe do executivo, perdendo seus cargos, presos, enquanto no interior as pessoas pobres que se diziam “liberais” humilhadas e assassinadas pelas forças da guarda nacional do partido conservador liderado por Boticário Ferreira. Não era permitido "gente de poucas coisas" se dizer contra a política de D. Pedro. Assim era o poder: "se não estás ao meu lado, colocarás tua vida em perigo". Os conservadores eram acusados, ainda, de praticar "duplicatas" nas mesas eleitorais. Resumindo, fraudes nas contagens dos votos..

 Fato inusitado, porém, encontrava-se seu inimigo político, chefe do Partido Liberal e vice-presidente da Província, Major Facundo, adoentado e sem melhoras mesmo com a assistência dos médicos, quando sua esposa, aflita, foi a procura do boticário, que o tratou e o curou, tornando-se amigos pessoais, embora adversários políticos. Facundo acabou assassinado por pistoleiros, provavelmente a mando da esposa do presidente da Província, Brigadeiro José Joaquim Coelho, a quem fazia oposição, tendo o próprio Boticário Ferreira implicação no caso devido ao comando partidário, porém  acabando livre de pena.

Praça com a Coluna da Hora. Foto Almanaque do Ceará 1935
 Faleceu no dia 29 de abril de 1859, com 60 anos. Deixou como suas principais contribuições, pelo lado gestor, a continuidade das obras da Santa Casa de Misericórdia, manutenção da Praça da Sé, construção de praças, como a Praça Municipal (depois Pedro II, e, após o seu falecimento, “do Ferreira” em sua homenagem, obra que custou a demolição do tradicional Beco do Cotovelo), e sem dúvida a revolucionária expansão da cidade, que lhe deu a honra de ser conhecido como primeiro urbanista de Fortaleza.





1959. Cemitério São João Batista. O túmulo e a referência pelo centenário.

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