19 de Abril, Dia do Índio - Os Resistentes do Ceará
No mapa, nota-se as ausências dos tapuias jaguaribaras e paiacus, além dos anacés, de São Gonçalo do Amarante. |
Quando o soldado Martim
Soares Moreno, aos dezoito anos, chegou ao Ceará, encontrou uma terra povoada
por milhares de índios, a maioria tapuia, selvagem, povo sem instrução de
sociedade, cético e resistente. Com a provável dificuldade de comunicação com
os silvícolas interioranos, procurou associar-se aos guerreiros do litoral,
potiguaras, de língua a qual dominava, tupi.
Podemos concluir que
os primeiros grupos portugueses brancos que conviveram com os habitantes da
capitania deixaram de lado, nos registros, a relação com os tapuias. Até mesmo
o seu grande defensor, o Guerreiro Branco, que chegou a isolar-se de seu chefe,
Pero Coelho, por suas barbaridades para com eles, preferiu alongar-se aos
índios do litoral, diante da sólida amizade com uma de suas lideranças,
Jacaúna.
Do pouco que se
dispõe a respeito do contato português - tapuia, uma breve citação amistosa de
Martim sobre os “jaguaribaras”. Esses índios eram os dominantes do rio
Jaguaribe, como os jandoins e icós. Se por um lado mostra uma contrariedade,
devido ao extermínio da nação, corrobora com a evidência de que a expedição de
1603 explorou o rio adentro, tendo sido provavelmente dividida. Por outro
lado, configura aliança única com os tupis, do Rio Grande e da Paraíba,
inclusive na de 1607, dos padres inacianos.
Temos, em 1607, os
padres Francisco Pinto e Luiz Figueira caminhando pelo litoral ao lado de
sessenta índios, nenhum tapuia. Ao chegar nas imediações do rio Pará (hoje rio
Curú) foram recebidos pelos entes de Jacaúna, já que o mesmo se encontrava nos
arredores da futura Fortaleza, respondendo como o líder “Algodão”, em
Porangaba. Os padres da Companhia de Jesus foram amistosamente recepcionados
por Cobra Azul, segundo Pompeu Sobrinho na foz do rio Trairi. No mais, durante a frustrada caminhada ao
Maranhão, pelas serras de Uruburetama e Ibiapaba, apenas reclamações aos
tapuias: “índios de corsos”, “vagabundos”. Consta que durante as catequeses
todos eram obrigados a aprender tupi, misturados a tabajaras e potiguaras. Por isso,
nossas discrições se originaram praticamente do tupi, ou de uma raridade
holandesa, a despeito dos tapuias, os índios do Ceará, pois os demais chegaram
muito depois.
Índia Pitaguary (O Povo, 21/04/1994) |
De um Brasil outrora
com cinco milhões de índios, hoje conta com pouco mais de 500 mil. Das 1300
línguas, 87% foram extintas O Ceará possui cerca de quinze mil índios, a
maioria mulher, muitas líderes comunitárias, cuidando da saúde do grupo,
ensinando e trabalhando no comércio. São onze etnias cearenses atualmente:
tremembé, tabajara, potiguara, kariri, anacé, tapeba, pitaguary, kanindé,
jenipapo-kanindé, paiacu, kalabaça, sendo as nações tupi, kariri, tremembé e tapuia.
Dentro dos kariris encontravam-se os numerosos tarairiús (quixelôs, icós,
kariús e jucás, por exemplo), sendo os tremembés, que se sustentaram, uma nação com uma única
etnia, confundida com tapuia. E destes surgiram os reriús (arariús), que viviam
entre o rio Acaraú e a Serra de Meruoca, portanto vizinhos dos índios do
litoral norte.
Quando o então tenente
Soares Moreno retornou ao Ceara, em 1611, trouxe não apenas índios (potiguaras)
do RN como o primeiro padre da capitania, Baltazar João Correia. No dia de São
Sebastião do ano posterior fundou o forte homônimo no mesmo local onde Pero
Coelho erguera o de Santigo, em 1605. Nos morros da Barra do Ceará surgiu uma
comunidade, onde Padre Baltazar cuidou da ermita de NS do Amaro, ao lado do
forte, povoado no qual índios e brancos conviveram aparentemente em harmonia. Mais uma
vez Portugal abandonou a capitania, em vista às ausências de Martim, na defesa
do Maranhão contra os franceses - 1613 (e adiante Pernambuco e da Bahia). E o
forte acabou sendo tomado pelos os holandeses.
Tremembés em mais um protesto em Almofala ( O Povo, 29/11/1992) |
Cacique Vicente (O Povo, 29/11/1992). Tremembés ameaçados. |
Se por um lado o Estatuto do Índio foi criado
em 1973, as críticas à FUNAI tem sido constante. Vejamos o caso do Governo José
Sarney (1986) para com os tapebas, outra etnia que ao longo dos anos sofreu com
a diminuição do seu território. Visivelmente comprometido com um grupo
industrial de massas de Caucaia, o então presidente da fundação, Romero Jucá
(hoje presidente nacional do PMDB), chegou a afirmar a inexistência dos índios de Caucaia.
Romero Jucá desconhecia os Tapebas (O Povo) |
Segundo a estudiosa e ativista Maria Amélia Leite, da Missão Tremembé (Almofala, CE), “o grande desafio é uma
política indigenista de responsabilidade do Governo Federal. É preciso que a
sociedade entenda que os índios não se acabaram, que aquele relatório de
assembleia provincial, dizendo que não tinha mais índio em aldeamento, foi
usada de forma continuada por parte dos governos, de setores da imprensa e da
sociedade”.
Na véspera do dia
dedicado ao índio (2016), porém, fomos surpreendidos com a notícia do falecimento do líder
pitaguary, Cacique Daniel, 65. Há 29 anos na defesa da tribo, a quem
garantiu sua reserva, em Maracanaú, não resistiu a problemas nos rins.
Segundo seu colega Weibe Tapeba, “uma perda inestimável, Daniel tinha uma
espiritualidade presente, estando em todos os processos de lutas dos povos
indígenas”.
Em mais um Dia do
Índio, a nossa lembrança àquele a quem o povo cearense mais descende. Fruto da
miscigenação índio com branco, o Ceará tem valorizado pouco a sua origem.
Resultado de uma política educacional ainda enraizada no seio dominante português,
mais voltado à exploração do que na preservação da cultura primitiva, tal erro histórico
precisa ser revertido. Somente uma sociedade organizada, unida em todos os
segmentos, é capaz de sustentar o respeito aos princípios humanos.
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