Álvaro Martins - 4 de Abril de 1867 - Nasce o Poeta de Trairi
Origem Simples
O advogado, promotor público (como seu irmão Augusto e seu sobrinho Carlyle Martins) e jornalista Álvaro Dias Martins, uma das maiores expressões da literatura cearense, nasceu em Trairi, Ceará, em 4 de abril de 1867 e faleceu aos 39 anos na capital cearense. Filho do capitão da Guarda Nacional Antônio Dias Martins e de Thereza Dias Martins, consagrou-se, na época da monarquia, como um dos maiores poetas cearense, e, seguindo os membros de sua família, um abolicionista e amante da sua gente.
Na pequena vila interiorana, foi educado por um dos primeiros professores públicos locais, José Joaquim de Gouveia, futuro intendente (prefeito). Com 11 anos continuou seus estudos em Fortaleza, onde começou, a partir de 1881, a trabalhar como caixeiro (ajudante em comércio, comum entre os adolescentes da época), tendo, em seguida, como muitos jovens promissores amparados por parentes com posses, partido para o Rio de Janeiro para dedicar-se ao jornalismo, no qual colaborou para jornais em evidência, como o abolicionista “Cidade do Rio” (de José do Patrocínio) e o republicano “Gazeta Nacional”. Sua leveza e correção de linguagem justificaram artigos transcritos em vários recantos do império e em Portugal.
Do Rio de Janeiro para Fortaleza
No ano da
proclamação da República (1888), Álvaro Martins, doente, volta para o Ceará, residindo na Marquês do Herval, 47 (Praça José de Alencar). Aprovado naquele ano em primeiro lugar em concurso público da Tesouraria da Fazenda, como praticantes secretariou os engenheiros Franklin Távora e Nogueira Borges no órgão de combate à seca, hoje competência do DNOCS. Em seguida, abandonou o cargo para seguir como promotor público.
Superando
críticas à vida boêmia (praxe da maioria dos colegas), fundou e presidiu o "Congresso Republicano", além do "Centro Republicano", ao lado de Joakim Catunda e Antônio Cruz. Porém, foi no jornal "Libertador", da "Sociedade Cearense Libertadora", do qual seu irmão mais velho, Antônio Martins Jr., o abolicionista, foi um dos fundadores e redator-chefe, que impôs seu nome, escrevendo na
sessão “Curvas e Retas”, com o codinome de “Alvarins”.
Escrevendo, os jovens intelectuais alencarinos
se voltavam, ainda que em poesias, aos acontecimentos que ferviam a política de então, nos tempos da monarquia, nos anos de 1880, com o Ceará dominado pelo coronelismo e o convívio com miseráveis flagerados sem assistência. Como consequência, criou-se confrarias,
como a "Academia Francesa do Ceará" (1873-75), "Clube Literário" (1886-88), "Congresso Republicano" (1889), "Centro
Republicano" (junho de 1889), a famosa "Padaria Espiritual" (1892) e o "Centro
Literário" (1894).
Padaria Espiritual
Baixo e de olhos claros, um popular entre os moços ambiciosos de então, estava presente em todos os movimentos artísticos da cidade. Nesse contexto, no Café Java, de Mané Coco, um dos quatro grandes quiosques da cultura "Belle Époque" francesa da Praça do Ferreira, nasceu, no dia 30 de maio de 1892, o grêmio "Padaria Espiritual", do qual Martins foi um dos fundadores, com o criptônimo de “Polycarpo Estouro”, ao lado do quase conterrâneo Antônio Sales (Moacir Jurema, o “padeiro-mor”, presidente, que anteriormente assinava como “Anthony”), filho de Parazinho (hoje Paracuru); Ulisses Bezerra (Frivolino Catavento), Lopes Filho (Anatólio Gerval), Sabino Baptista (Sátiro Alegrete), Temístocles Machado (Túlio Guanabara) e Tibúrcio Freitas (Lúcio Jaguar). Movimento organizado de cunho realista, crítico, criterioso, antecessor da Semana de Arte Moderna. Seu jornal, O Pão, possuiu 32 números, com a última edição em 31 de outubro de 1896, impresso na Rua Formosa, A última “fornalha” (reunião) ocorreu no dia 20 de dezembro de 1898, realizada na residência do seu então presidente, Dr. Rodolfo Teófilo, no Boulevard Visconde de Cauípe (Rua Benfica, hoje Av. da Universidade), sob grande emoção.
Álvaro Martins era o que melhor encarnava o espírito revolucionário entre aqueles poetas. Seu espírito rebelde, aliado ao boêmio, custou a saída da agremiação, uma vez que não faltaram choques com seus colegas. Mas o irrequieto de Trairi logo estaria navegando em ondas que tão bem conhecia. Um novo grêmio nasceria do movimento de revolta de quem ainda faria da literatura um impulso antes de fazer dela uma contingência da vida.
Centro Literário
Padaria Espiritual. Polycarpo Estouro, à nossa esquerda, o primeiro em pé . |
Conforme Rodrigues de Carvalho, o surgimento
do Centro Literário, fundado por Álvaro Martins, deveu-se “ao exclusivismo dos rapazes da "Padaria
Espiritual", que só admitiam no seu grêmio determinados estreantes, que muitas
vezes não ofereciam os requisitos mentais compatíveis com a reputação da
sociedade”. Temístocles Machado, de há muito
em desacordo com a exagerada norma, e "Alvarins" deram-lhe vida em 27 de setembro de 1894, no
escritório da redação do "O Commercio", na Rua Formosa (Barãodo Rio Branco), Centro, tendo como primeiros membros,
que não vinham da outra, Dr. José Lino (Presidente), Papi Junior e Fiúza de Pontes, constituído de quatro
categorias (efetivos, beneméritos, honorários e correspondentes). A Padaria,
entretanto, perdera dois membros, mas ganhara catorze, mantendo-se na ativa. A
cidade respirava letras, inclusive contando com o Instituto do Ceará a partir
de 1887.
Antônio Sales
De amizade de irmãos de outrora, assim descreveu
Anthony (Antônio Sales), em "Curvas e Retas" ("Libertador"), sobre o retorno do
outro das férias noa sua amada terra: “Regressou de seu Trairi - terra de júri
afamado, o Alvarins adorado, irmão gêmeo de Anthony”. Tamanha relação se abalou
após a súbita expulsão, em setembro de 1893, de Polycarpo Estouro, acusado de
aliar-se à burguesia para hostilizar a Padaria: “Foi unanimemente aprovado o
decreto de expulsão fulminado há tempos contra o ex-padeiro Polycarpo Estouro,
sujeito que, com uma imprudência abaixo de qualquer qualificativo insolente, se
juntou à burguesia para hostilizar-nos”. Fato isolado, Padaria e Centro se
completavam, não havendo rivalidade.
Centro Literário. Álvaro Martins, sentado, o primeiro à nossa esquerda |
O primeiro livro de "Alvarins", “Pescadores da Thayba” (Tipografia Universal), prefaciado por Pedro Muniz, foi editado e publicado na efervescência do "Cento Literário", em 1895, cujo sucesso fez ecoar seu nome em todo o País. Porém, não imune às críticas de Anthony: “É um conto em versos espontâneos e musicais, mas frouxamente metrificados, pobremente rimados cheio de expressões impróprias e imagens falhas. A popularidade de que gozou ele, deve-se principalmente à sua veia humorística a que muito se prestava a sua espontaneidade e facilidade de se versejar”. Depois escreveu “Capela Milagrosa” (1898), “Agonia Suprema” (1901), “Comemorando o Tricentenário do Ceará” (1903, louvando Martim Soares Moreno, o fundador do Ceará), “Casa Mal Assombrada” (1903), A Lagosta (1904), consagrando-se entre os notáveis poetas cearenses. Alguns ensaios teatrais: Belecho (1898), Lopes, Veiga e Companhia (1898), O Rico e o Pobre (1900) e Me Ceda...(1903).
Seu filho, Francisco Sobrinho, reuniu os livros de 1895, 1901 e 1903 em um volume exclusivo, intitulado Alma Cearense (1928).
Conforme Sânzio de Azevedo, foram "obras da juventude de um poeta que morreu muito moço e não teve tempo para fazer da arte a sua preocupação constante, pois dividiu a sua pouca vida entre o periodismo político, a advocacia prática e os percalços que o seu gênio irreverente muita vez criou para seu mal".
Taliense
Foi um dos fundadores, em 14 de julho de 1898, do "Grupo Taliense de Amadores", voltado à dramas teatrais, e onde apresentou as suas apreciadas peças. Localizava-se na rua Senador Pompeu, nas proximidades da rua Liberato Barroso.
Liceu do Ceará e Trairi
Tornou-se, em 01/07/1901,
professor de Literatura no rígido Lyceu do Ceará, casa dos maiores mestres do
Estado. E como dramaturgo,
dedicou a Trairi CE a peça “Flor de Abril”, de cunho poético-cristão, em três
atos, relatando a perseguição dos mouros aos cristãos, sendo encenada várias
vezes durante os festejos de Nossa Senhora do Livramento, naquele município.
Visões de Chico Xavier
Na noite de 24 de janeiro de 1981, o médium
Francisco Cândido Maciel (Chico Xavier) recebeu em sua residência, em Uberaba,
MG, uma comitiva cearense, denominada “Imprensa Escrita”, para a qual transcreveu
trovas criptografadas de vários vultos da literatura cearense, sendo uma delas
do trairiense:
“Na afeição mistério vivo
Vejo as fotos como são
O namoro é o negativo
O enlace é a revelação”.
Partiu
cedo, às três horas de 30 de junho de 1906, e com ele a saudade dos admiradores e amigos. Segundo Barão de Studart, o maior historiador do Ceará, "lançou sobre Fortaleza doloroso, íntimo e profundo pasmo; ainda a 28 de junho sua palavra ardente ecoava entre aplausos pelo âmbito do nosso Tribunal do Juri, enchendo-lhe de simpatias seus colegas de imprensa que acompanhavam o Presidente da República Afonso Arinos pelos Estados do Norte". Deixou os irmãos Amélia e Antônio Martins.
Para o poeta e crítico Otacílio Colares (da ACI e Clã), “o melhor que encarnava o
espirito revolucionário, de índole rebelde, tipo acabado dos boêmios, sem
maldade outra que não a proveniente de um espírito altamente
satírico”...”Álvaro Martins era um dos mais jocosos desse grupo curiosíssimo”
(Padaria Espiritual). "Trouxe na alma aquela melancolia que deixava extravasar em seus versos varados em forma de cantigas como as canções dolentes que os homens do mar cantam, quer na luta contra as ondas, quer nos lazeres, à hora da sesta, à sombra das velas das jangadas".
"Minha jangada de vela
Que vento queres levar
De dia vento da terra
De noite vento do mar".
Finalmente, Antônio Sales resolveu livrar-se da amargura e dos ressentimentos ao dedicar “Minha Terra” ao colega no mundo superior.
Segunda sede do Centro Literário: Rua São Paulo com Senador Pompeu |
Academia Cearense de Letras
A Álvaro Martins, patrono da cadeira 2 da
Academia Cearense de Letras, que lhe homenageou pelos 150 anos de nascimento, "uma lembrança e
gratidão pelas quadras, pelas rimas, pelas poesias, pela persistência, uma
vida dedicada à arte em infinitos 38 anos".
Opinião dos Estudiosos:
Do jornal O Bond:
J. da Rocha:
“Em Álvaro Martins distingo duas individualidades: o poeta pensativo e despreocupado das cousas da vida e o rapaz folgazão, cheio de verve, de um humorismo ardente e palestrante capaz de roubar-nos um dia de trabalho.
O Bond no dia aniversário do poeta
(4 de abril de 1891)
O conheci quando andava de “rajada em rajada”
e desse concerto harmônico de amizade conservo uma lembrança que não troco
pelas melhores notas do Banco Impulser do Norte. Quando ele se despediu de mim,
deu-me como lembrança um “Petrópolis” respeitadíssimo, e tanto mais respeitado
que não me atrevo a trazê-lo à rua com receio de que não faça alguma falcatrua.
É uma relíquia que decreto. Ser de família, portanto, só de geração em geração poderá fazer uma passeata. E o “Petrópolis” gerou em mim tal admiração pelo
Álvaro Martins que é ele o meu poeta predileto, o primeiro cantor do Norte, o
tipo original da poesia descrita por Franklin Távora e cantada por Sylvio
Romero.
O Bond no dia aniversário do poeta
(4 de abril de 1891)
Seu trabalho, como sempre, está excelente. Deveria ser divulgado nas Escolas Públicas e Particulares de nosso Trair visando um melhor conhecimento desse nosso ilustre conterrâneo. Parabéns! Publicações como esta ajudam a resgatar e preservar nossa história.
ResponderExcluirMeu pai, Eduardo Álvaro Martins, cearense, me contava histórias de que era parente de AlvarÁ Dias Martins. Gostaria de saber se existe algum material genético dele para que eu possa saber se sou mesmo sua parente. Meu pai escrevia para a revista O Cruzeiro e tambet era poeta e contista, eu sou pedagoga e componho músicas. Sou letrista, não me considero uma poetisa mas, gostaria de saber se sou descendente da família dele. Pelo que li em sua pesquisa tenho muitas coisas em comum com Alvarins e ficaria feliz em ter esta certeza. Se puder me ajude. Meu e-
ResponderExcluirMeu e-mail é fatimavieirax@gmail.com. Moro em Niterói no Rio de Janeiro.
ExcluirObrigado pelo comentário. Entraremos em contato.
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