Cultura Insubimissa - Dois Autores e Uma Mensagem


 Livro lançado no dia 26 de novembro de 1982, domingo à noite, nos jardins da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, tendo como convidados Patativa do Assaré, Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, Cego Oliveira e outros. Seus autores, Oswald Barroso e Rosemberg Cariry, com base em estudos sobre a cultura brasileira, persistem no compromisso com a cultura de resistência, tendo, segundo a prefaciadora, Marta Campos,“o mérito de revelar como se organizam os elementos da cultura do povo em processo constante de transformação, desvios avanços e caminhos”.
 Uma reunião de artigos, ensaios, entrevistas, debates e reportagens publicadas pelos autores em jornais e revistas. 
Rosemberg Cariry
Em Cultura Insubimissa, segundo Rosemberg Cariry, “estuda-se a cultura popular em seus diversos aspectos, analisando os mecanismos de resistência dos oprimidos e sua contribuição na formação de uma nova arte e literatura de características brasileiras e revolucionárias”. Traz ainda um estudo sobre a literatura de cordel , o artesanato, a música, a religiosidade popular, como o Caldeirão do Beato José Lourenço.


Oswald Barroso
Para o poeta Oswald Barroso, “a arte e literatura produzidas pelas camadas mais exploradas do povo não encontram espaço nos meios de comunicação; e quando encontram têm limitada a livre expressão de seu pensamento. Daí, buscam seus próprios meios de ligação de ideias e evasão de elementos, numa decorrência plena da necessidade imperiosa de comunicar-se”.
 O fato de a arte ser gerada numa sociedade de classes revela a sua própria tradição. “Se em determinados momentos mostra a resistência do oprimido, com mais frequência produz a ideologia das classes dominantes. Premidos pelas comunidades econômicas e pela pressão política, os artistas populares quase sempre são forçados a fazer de suas produções mercadorias do agrado das classes endinheiradas. A elite dominante desfigura a arte popular com o objetivo de adequá-la às suas conveniências: mesmo quando, aparentemente, abre mão da sua descaracterização costumeira - por motivos de interesses mercadológicos, somente, espalha entre os artistas e escritores conceitos tradicionalistas e retrógrados, no mínimo ingênuos, primitivos e anticientíficos. A elite dominante escancarada, por trás de uma pretensa forma de folclore, procura impedir a revitalização dessa arte e literatura, seu desenvolvimento crítico e o surgimento de novas formas”, diz o professor Oswald.
Oswald Barroso, então Dir. do Teatro Boca Rica

 Rosemberg Cariri chegou a Fortaleza em 1976, com quinze cruzeiros no bolso e uma promessa de emprego. Conseguiu um quebra-galho, viajando pelos sertões como técnico em educação, o que foi “uma ótima oportunidade de intensificar contatos e pesquisar arte popular”. Após um ano, voltou ao Crato CE para buscar a mulher, Teta. “Juntos, comemos o pão que o diabo amassou, pois ganhávamos pouco e nascera o nosso primeiro filho, Petrus”. Naquela época, B. C. Neto e Rogaciano Leite Filho fizeram publicar poemas seus na imprensa local, entrando no Grupo Siriará, um “baião de mil mal-mexidos, mas que teve a sua importância nas letras cearenses”. Na Faculdade de Filosofia, em 1978, foi presidente da "Associação", depois “Diretório Livre”, desencadeando uma luta contra a “filosofia burguesa decadente pepsicolóide”.

R. Cariry e a filha Maíra
Em 1979, ano em que nasceu a sua filha, Maíra, dirigiu três espetáculos sobre cultura popular, no Teatro José de Alencar, durante reunião anual da SBPC: os espetáculos “Cante lá que eu canto cá”, com Patativa do Assaré, e “Canto Cariri”, reunindo mais de quarenta artistas populares do Cariri, e a orquestra de músicos camponeses do Padre Ágio, também do Crato.
 Então nasceu o “Nação Cariri”, jornal voltado para a cultura popular, envolvendo artistas cearenses, estando forte até hoje (1982), e com ele a ideia e a participação na organização da I Massafeira Livre, que foi um sucesso, e da sua segunda edição.
 Nestes tempos agitados, Rosemberg Cariry começou a fazer cinema, juntamente com Pedro Ernesto e Jefferson Jr., o curta metragem-ficção “A Profana Comédia”. Outras experiências com cinema Rosemberg só foi encontrar em 1979, quando dirigiu os filmes “Patativa do Assaré” e “Canto Cariri” – produzidos por Luís Carlos Salatiel e fotografados por Jackson Bantim. Depois passou a trabalhar com profissionais do Cariri radicados em São Paulo. Com Jefferson Junior, Hermano Penna e Robson Azevedo, fundou a Cariri Filmes, que realizou vários documentários em 16 mm. Sendo não só um poeta como um homem de literatura e cinema, mexe ainda com teatro e música, organizando grupos de artistas. Com modéstia, porém, contenta-se como letrista, poucas vezes solfejando melodias em seus poemas. Seus principais parceiros são Cleivan Paiva, Bá Freire, Abdoral e Pachelly Jamacaru; Eugênio Leandro, Isânio e Bernardo Neto. Hoje, Rosemberg desenvolve um trabalho com Firmino Holanda (crítico de cinema), “um genial músico que ainda não quis aparecer, mas que está fazendo música nova e consequente, com certeza uma das coisas mais importantes da música cearense”. “Vou devorando minhas próprias contradições, corpo e alma, coração e mente jogados na angustia e na luta destes tempos mal vividos, Meu compromisso é com a vida e o homem. No mais, sou poeta, sensibilidade e ação!”
Cariry e Ariano Suassuna

   
Texto: Jornal O Povo, 14 de novembro de 1982.


 Detalhe: como artistas, os autores estavam sob o crivo da censura da ditadura. Suas palavras não negam o desconforto e o inconformismo.

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