Bárbara de Alencar - A Heroína

No dia 3 de maio de 1817, durante a missa celebrada pelo Pe. Vicente da Silva Pereira, uma mulher, vestida de negro, com um rosário azul às mãos, estava sentada na Igreja Matriz da Real Vila da Penha do Crato (CE) ao lado dos filhos Carlos (Padre), João e Tristão Gonçalves. Curiosa, pergunta: “Não estou vendo o José Martiniano”. Carlos a tranquiliza: “Ele deverá aparecer durante a homilia”.
Logo após a leitura do Evangelho, aparece, de súbito, o diácono José Martiniano de Alencar, de batina preta, iniciando um sermão aos olhos atônitos dos que lhe escutam. Num ritmo eloquente e inflamado, discorre sobre as dificuldades por que passa a família brasileira, sobrecarregada pelos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa, no Ceará agravadas pelas secas periódicas. O tom do discurso surpreende pela firmeza do sentimento de patriotismo, contagiando a todos que o ouvem.
Então, comunica a sua nomeação como representante no Estado do Governo Provisório Republicano instalado em Pernambuco em 6 de março último. O povo, entusiasmado, o aplaude, dirigindo-se o olhar à sua mãe, orgulhosa. Martiniano, inflamado, conclui, apontando em direção ao vizinho Pernambuco: “Os nossos compatriotas já combatem nas ruas. Que o sangue derramado dos nossos heróis seja o esteio da revolução em busca da liberdade!” E assim, diante de explosões de fogos e tiros de bacamartes, além dos aplausos do povo, a família Alencar se dirige à Câmara Municipal, onde o diácono lê o manifesto sob aplausos dos presentes. Destitui-se os cargos dos monarquistas, nomeando-se, imediatamente, os seus substitutos, surgindo uma nova forma jurídica do governo recém-instalado, a República do Crato.
Na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Cobrobó (hoje Exú, PE), nasceu, em 11 de fevereiro de 1760, Bárbara Pereira de Alencar, filha de Joachim Pereira de Alencar e de Theodora Rodrigues da Conceição, tendo seu irmão, Leonel Pereira de Alencar, proprietário do sítio Cabeça do Negro, em Santo Antônio da Barra do Jardim (hoje Jardim CE), lhe educado na ausência dos pais na adolescência, partindo para a Vila do Crato, onde a família se abrigou em uma casa antiga nas proximidades da Igreja da Matriz de N. Sra da Penha. Com 22 anos casou-se com o capitão e comerciante português (de Aroma) José Gonçalves dos Santos, indo morar no Sítio Pau Seco, onde teve os filhos citados (além de Joaquina), e com eles desenvolveu os ideais revolucionários contra o absolutismo de Dom Pedro I, já na viuvez jovial.


A República do Crato, porém, só durou uma semana, após a traição daquele que a família mais contava com o apoio, o capitão-mor Pereira Filgueiras, de Barbalha. Presa, Dona Bárbara partiu de forma humilhante, após tentativa de fuga por Barbalha. Do Crato para Fortaleza, passando por Icó, Limoeiro do Norte, Russas e Aracati, onde a população saia às ruas para ver aquela mulher imponente, acorrentada, chamada de “subversiva”. Na Capital cearense, foi jogada num cubículo do Forte de Nossa Senhora da Assunção (foto), um espaço tão pequeno que a fez gritar de agonia por dias. E a dor da prisão a perseguiu durante quase quatro anos, passando por Recife e Salvador, salva pelo ato de anistia geral em 1820, assinado em Portugal.
Sem se intimidar, eis a nossa heroína em Pernambuco militando na Confederação do Equador, cujo Presidente era seu filho Tristão Gonçalves, revolta que objetivava a independência do Nordeste, mantendo oposição obstinada à monarquia. Tristão acabou falecendo durante emboscada quando atravessava o leito seco do Rio Jaguaribe.
Barbara de Alencar, a primeira mulher brasileira a proclamar, concretamente, num movimento revolucionário, o ideal da independência política do Brasil e do regime republicano, e a sofrer, por isso, calabouço e processo de confisco de bens. Sempre ativista, passou a peregrinar pelo Nordeste, falecendo em 18 de agosto de 1832 na fazenda Alecrim, em Fronteiras, no Piauí, mas sepultada em Campos Sales, no Ceará.
Busto de Bárbara de Alencar, a um quarteirão
da rua que leva seu nome, em Fortaleza.

Em 1994, o então prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães, durante evento do Dia Internacional da Mulher contratou Zenon Barreto para construir o busto da heroína (foto), que se encontra na praça da Medianeira, na Av. Heráclito Graça. O detalhe é que, como ela não deixou registros fotográficos, o artista se baseou em estudos no Instituto Histórico do Ceará. Da mesma forma, o pintor Oscar Araripe a retratou em 2009. No Crato, foi criado, em 2005, o Centro Cultural Bárbara de Alencar, no qual, nos dias 11 de fevereiro, três mulheres são agraciadas com prêmios em sua graça. O Centro Administrativo do Governo do Ceará leva o nome de Bárbara de Alencar, em Fortaleza, onde o Instituto Bárbara de Alencar se localiza na Av. do Imperador, 1649, no bairro da cultura, Benfica. Teve o seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, pela Lei 13.056 de 22 de dezembro de 2014, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
Fontes de pesquisas: “Barbara de Alencar – A Guerreira do Brasil" (Roberto Gaspar); Ser Voz!glaucialimavoz.blogspot.com.br/2013/10/barbara-de-alencar (Glaucia Lima).

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