Passeio Público - A Conversa entre o Baobá Africano e o Poeta

                     Por Lauro Ruiz de Andrade, jornal O Povo, 30 de abril de 1982

 Os fortalezenses estão fartos de ouvir reclamações sobre o abandono do Passeio Público. Se predominasse mentalidade mais simpática ao problema da preservação da flora, aquela área central, atualmente pouco frequentada, poderia servir para implantação de um jardim botânico moderno, sob a direção de botânicos estudiosos de nossas praças.
 A primeira providência, caso fosse concretizado o plano, consistiria no afixamento de placas metálicas identificadoras, contendo os nomes botânicos e os vulgares das diversas árvores ainda restantes. Isso facilitaria, com pequena despesa, o conhecimento da flora nordestina, ameaçada de extinção.
Praça dos Mártires

 Há residências em Fortaleza que identificam as suas árvores. Dona Lúcia Dummar, por exemplo, teve esse cuidado na sua Granja Castelo, em Messejana. As centenas de árvores lá existentes são apresentadas aos visitantes com seu nome vulgar e sua classificação científica. Se o particular tem esse cuidado, por que o poder público não faz o mesmo? É cultura e custa muito pouco.
 Este velho repórter, amigo das árvores e entusiasta da rearborização, esteve durante alguns minutos a conversar silenciosamente com um dos especimens mais antigos plantados no início do século, conforme testemunho do poeta Teixeira Mendes, o saudoso Teixeirinha. Do lado esquerdo de quem entra naquele logradouro, pelo portão único fronteiro à rua Major Facundo, uma das curiosidades de Fortaleza.
 O leitor compreende claramente ser tal conversa um simples solilóquio imaginário, sendo mais sugestivo através da linguagem vegetal, traduzida pela intuição de todos que sabem meditar e raciocinar.
Ruiz propôs um jardim botânico no Centro de Fortaleza


 ASSIM FALOU BAOBÁ:

 - Sou um dos vegetais remanescentes da cidade da pedra. Três mudas vieram da África para Fortaleza e foi plantada uma delas aqui, no Largo da Pólvora, ou Praça dos Mártires, bem perto do local onde os grandes criminosos e os patriarcas sonhadores da Independência. As outras ficaram mais longe, perto do lugar onde construída a usina da velha Ceará Light. Só eu tive a sorte de sobreviver, pois as demais foram cortadas, como acontece com as árvores que não produzem frutos comestíveis.
 Os botânicos deram-me o nome científico de adansonia, da família das bombacáceas, mas sou conhecido popularmente por baobá e embondeiro, o primeiro africano, e o outro inventado pelos portugueses. O botânico francês Michel Adonson foi reverenciado com o nome com o nome da árvore de maior porte, em grossura e longevidade. Como o senhor está vendo, ainda não completei cem anos e já ostento uma cintura de quase três metros. Tenho aptidão biológica para viver, se não me deceparem, seis mil anos, duas vezes mais do que a idade da sequoia gigante da Califórnia, que já contava mil e quinhentos anos na época do nascimento de Cristo.
Passeio Público, orgulho do cearense

 Aliás, neste primeiro de abril, devo relembrar uma brincadeira de Demócrito Rocha, fundador deste jornal. Nesse dia, num ano qualquer da década de 30, ele publicou no jornal que o baobá do Passeio Público havia caído. Foi um corre-corre danado para ver-me no chão. E eu rindo de todos que caíram no logro do jornalista. Bem, mas isso é anedota. Voltemos às coisas sérias.

 Quando estiver bem velhinho, no fim do meu ciclo vegetativo (isso daqui a uns cinco mil anos)...se os homens não me tiverem transformado em carvão, meu tronco terá uns vinte metros de circunferência, e poderá ser cavado para servir de túnel , caminho ou abrigo dos remanescentes da Humanidade. 

Lauro Ruiz foi escritor (autor de "A estranha Aventura" e cronista. Defensor da natureza e crítico radical das desigualdades sociais, dizia não temer a morte.

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