Francisco Pinto - Padre dos Índios Cearenses em Processo de Canonização



Padre Pinto na Biblioteca Nacional de Portugal
 Em março chuvoso de 1607, dois portugueses de batina, o mais velho com 54 anos, avançada para a época, o outro vinte e dois anos mais novo, caminhavam exaustos e lentamente nas matas fechadas quando iniciaram a subida do terreno acidentado daquela que os índios chamavam Serra dos Corvos (Uruburetama), uma situação inédita e desconfortável.
 Não deixou de ser espantoso o que escreveu um deles em seu diário: “Nessa triste serra parece que se ajuntaram todas as pragas do Brasil, inumeráveis cobras e aranhas que chamavam caranguejeiras, peçonhentíssimas de cuja mordidura se diz que morrem os homens, carrapatos sem conta, mosquitos e moscas que magoam estranhamente e ferem como lancetas”. Assim eram as surpresas que aguardavam os estranhos naquela região da América que ainda viria ser povoada pelo homem branco.
 No dia dois daquele mês, haviam chegado por terra, à beira mar, após quase um mês de caminhada, desde o Rio Jaguaribe, numa enseada conhecida por Pará (foz do Rio Curú), sendo alegremente recebidos pela aldeia local chefiada por Acajuí e Cobra Azul, da casa dos irmãos Jacaúna e Poti, índios tupis potiguaras amigos do seu conterrâneo, um jovem soldado chamado Martim Soares Moreno, certamente o autor das primeiras informações sobre o Siará Grande ao Governador Geral Diogo Botelho.
 Padres Francisco Pinto e Luís Figueira estudaram no famoso Colégio Jesuíta da Bahia, em Salvador, onde a Companhia de Jesus formava seus religiosos no Brasil. Ali aprenderam a língua tupi-guarani. Anos depois, eis a missão das mais ousadas, pregar no Maranhão, caminhando e evangelizando os nativos em cada parada. Fato omitido por boa parte dos historiadores, estavam em jogo não apenas a religião, mas também interesses econômicos.
 Portugal sabia da ocupação francesa na Ibiapaba, que teria migrado para o Maranhão após choque militar com a expedição de Pero Coelho, em 1603. Havia desejo de exploração das minas de pratas locais, assim como em Taquara (Maranguape), e para evitar a negação dos tabajaras e vizinhos tapuias os padres passaram a cativar os índios, evangelizando-os e convencendo-os a participar de um novo tipo de aldeamento, uma vida em grupo envolta para a fé cristã. Largando suas aldeias de origem, as minas ficariam expostas e as terras estariam livres para a chegada da pecuária, que seria explorada pelos brancos.
 Diabo Grande, o líder tabajara, passara 14 anos acolhendo os franceses, em troca de agrados materiais, e em seguida se viu diante de portugueses, que reivindicaram a administração das terras citando o nome de Brasil, no que os silvícolas acreditaram que foram iludidos pelos antigos aliados. E assim os padres foram bem recebidos, tendo direito à roçado e improvisada capela, durando aproximadamente quatro meses até seguirem ao destino, o vizinho Maranhão.
 Durante, a jornada, procurando a descida da serra rumo ao mar, seguiram na frente seus emissários, fiéis tupinambás desde Pernambuco. No acampamento, sentiram a ausência dos mesmos, que não retornaram, pois na verdade haviam sido assassinados, e resolveram abandonar a ideia de continuar a caminhada. Pinto ordenou que um índio levasse uma carta ao Governador Geral, Diogo Botelho, na manhã do dia 11 de janeiro de 1608, expondo os motivos do cancelamento, árdua tarefa de chegar ao litoral e procurar a primeira nau portuguesa. Em seguida, o que parecia tranquilo tornou-se o inferno. Após tocaia, índios paiacus tocarijus (ou cararijus, conforme Padre Figueira em seu registro Relação Missão do Maranhão) partiram em assalto, violentamente, matando o Padre Francisco Pinto, além de índias e índios indefesos à pauladas.
 Por sorte, Padre Luís Figueira estava um pouco afastado e conseguiu fugir, auxiliado por Antônio Caraibocu, índio fiel que os acompanhava desde Pernambuco. Conforme escreveu,“levaram tudo da igreja e a nossa roupinha que tínhamos guardado para o restante da missão e tudo o mais”. Sumiram com o mini-altar, parâmetros sacerdotais e as ferramentas de trabalho braçal.
 Enterraram Pinto ao pé da montanha e a notícia já corria toda a Ibiapaba, rasgando os sertões, praias, até chegar ao Jaguaribe, de onde, quatro meses após, os índios potiguaras, fiéis aos jesuítas, partiram em busca dos ossos do religioso, encontrando o corpo ainda inteiro. Mais um motivo para a fama de milagreiro e por isso era conhecido Padre Pinto como “Amanaiara” (divindade protetora, “Senhor das Chuvas”), recorrendo-se à orações em seu nome. O tempo é testemunha das bênçãos reverenciadas a ele.
 Em janeiro de 2016, deu-se início o processo de canonização do Padre Francisco Pinto na mesma região do seu falecimento, Tianguá CE, na Ibiapaba. Segundo o Bispo diocesano Dom Francisco Xavier, “um modelo a ser seguido, de um homem simples, que foi além na sua crença”. Para tal, uma tarefa tão complexa quanto à Jornada do Maranhão, com três etapas até a santificação, cabendo ao Vaticano a decisão se o seu nome irá ou não ao Cânone, ou seja, para a lista dos Santos.
 A imagem em destaque (de 1706) expõe-se na Biblioteca Nacional de Portugal. Gravura do belga Michel Cnobbaert, cujas obras se encontram nos maiores museus do mundo. A icografia do padre mostra uma flecha no peito, simbolizando morte por martírio.
Adauto Leitão. Seus estudos reforçam a canonização.
 A sugestão de canonização partiu de Fortaleza CE, através do professor, religioso e historiador Adauto Leitão Jr., estudioso em História do Ceará, ícone cultural da Barra do Ceará, onde reside e mantém referência comunitária.


 Fontes: Historiadores Barão de Studart, Raimundo Girão e Filgueiras Sampaio, além do jornal Diário do Nordeste (15/01/2016).

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