Francisco Pinto - Padre dos Índios Cearenses em Processo de Canonização
Padre Pinto na Biblioteca Nacional de Portugal |
Não deixou de ser
espantoso o que escreveu um deles em seu diário: “Nessa triste serra parece que
se ajuntaram todas as pragas do Brasil, inumeráveis cobras e aranhas que
chamavam caranguejeiras, peçonhentíssimas de cuja mordidura se diz que morrem
os homens, carrapatos sem conta, mosquitos e moscas que magoam estranhamente e
ferem como lancetas”. Assim eram as surpresas que aguardavam os estranhos
naquela região da América que ainda viria ser povoada pelo homem branco.
No dia dois daquele
mês, haviam chegado por terra, à beira mar, após quase um mês de caminhada, desde o Rio Jaguaribe, numa enseada
conhecida por Pará (foz do Rio Curú), sendo alegremente recebidos pela
aldeia local chefiada por Acajuí e Cobra Azul, da casa dos irmãos Jacaúna e Poti, índios
tupis potiguaras amigos do seu conterrâneo, um jovem soldado chamado Martim
Soares Moreno, certamente o autor das primeiras informações sobre o Siará
Grande ao Governador Geral Diogo Botelho.
Padres Francisco Pinto e Luís Figueira estudaram
no famoso Colégio Jesuíta da Bahia, em Salvador, onde a Companhia de Jesus
formava seus religiosos no Brasil. Ali aprenderam a língua tupi-guarani. Anos
depois, eis a missão das mais ousadas, pregar no Maranhão, caminhando e
evangelizando os nativos em cada parada. Fato omitido por boa parte dos
historiadores, estavam em jogo não apenas a religião, mas também interesses
econômicos.
Portugal sabia da
ocupação francesa na Ibiapaba, que teria migrado para o Maranhão após choque
militar com a expedição de Pero Coelho, em 1603. Havia desejo de exploração das
minas de pratas locais, assim como em Taquara (Maranguape), e para evitar a
negação dos tabajaras e vizinhos tapuias os padres passaram a cativar os
índios, evangelizando-os e convencendo-os a participar de um novo tipo de
aldeamento, uma vida em grupo envolta para a fé cristã. Largando suas aldeias
de origem, as minas ficariam expostas e as terras estariam livres para a
chegada da pecuária, que seria explorada pelos brancos.
Diabo Grande, o líder
tabajara, passara 14 anos acolhendo os franceses, em troca de agrados
materiais, e em seguida se viu diante de portugueses, que reivindicaram a
administração das terras citando o nome de Brasil, no que os silvícolas
acreditaram que foram iludidos pelos antigos aliados. E assim os padres foram
bem recebidos, tendo direito à roçado e improvisada capela, durando
aproximadamente quatro meses até seguirem ao destino, o vizinho Maranhão.
Durante, a jornada, procurando
a descida da serra rumo ao mar, seguiram na frente seus emissários, fiéis
tupinambás desde Pernambuco. No acampamento, sentiram a ausência dos mesmos, que
não retornaram, pois na verdade haviam sido assassinados, e resolveram
abandonar a ideia de continuar a caminhada. Pinto ordenou que um índio levasse
uma carta ao Governador Geral, Diogo Botelho, na manhã do dia 11 de janeiro de
1608, expondo os motivos do cancelamento, árdua tarefa de chegar ao litoral e
procurar a primeira nau portuguesa. Em seguida, o que parecia tranquilo
tornou-se o inferno. Após tocaia, índios paiacus tocarijus (ou cararijus, conforme Padre Figueira em seu registro Relação Missão do Maranhão) partiram em assalto,
violentamente, matando o Padre Francisco Pinto, além de índias e índios indefesos à pauladas.
Por sorte, Padre Luís
Figueira estava um pouco afastado e conseguiu fugir, auxiliado por Antônio Caraibocu, índio fiel que os acompanhava desde Pernambuco. Conforme escreveu,“levaram tudo da
igreja e a nossa roupinha que tínhamos guardado para o restante da missão e
tudo o mais”. Sumiram com o mini-altar, parâmetros sacerdotais e as ferramentas
de trabalho braçal.
Enterraram Pinto ao
pé da montanha e a notícia já corria toda a Ibiapaba, rasgando os sertões,
praias, até chegar ao Jaguaribe, de onde, quatro meses após, os índios potiguaras, fiéis aos
jesuítas, partiram em busca dos ossos do religioso, encontrando o corpo ainda inteiro. Mais um motivo para a fama de milagreiro e por isso era conhecido Padre Pinto como “Amanaiara” (divindade protetora, “Senhor
das Chuvas”), recorrendo-se à orações em seu nome. O tempo é testemunha das bênçãos
reverenciadas a ele.
Em janeiro de 2016,
deu-se início o processo de canonização do Padre Francisco Pinto na mesma
região do seu falecimento, Tianguá CE, na Ibiapaba. Segundo o Bispo diocesano
Dom Francisco Xavier, “um modelo a ser seguido, de um homem simples, que foi
além na sua crença”. Para tal, uma tarefa tão complexa quanto à Jornada do
Maranhão, com três etapas até a santificação, cabendo ao Vaticano a decisão se
o seu nome irá ou não ao Cânone, ou seja, para a lista dos Santos.
A imagem em destaque (de
1706) expõe-se na Biblioteca Nacional de Portugal. Gravura do belga Michel
Cnobbaert, cujas obras se encontram nos maiores museus do mundo. A icografia do
padre mostra uma flecha no peito, simbolizando morte por martírio.
Adauto Leitão. Seus estudos reforçam a canonização. |
A sugestão de
canonização partiu de Fortaleza CE, através do professor, religioso e historiador Adauto
Leitão Jr., estudioso em História do Ceará, ícone cultural da Barra do Ceará,
onde reside e mantém referência comunitária.
Fontes: Historiadores
Barão de Studart, Raimundo Girão e Filgueiras Sampaio, além do jornal Diário do
Nordeste (15/01/2016).
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