Accioly x Rabello. A Derrota do Povo


Dezembro de 1911. Em frente ao Quartel o povo pede a queda da oligarquia. (O Malho)


Diante da luta contra a.monarquia, destacou-se, no Ceará, o chefe do Partido Liberal e fundador do conceituado jornal O Cearense, senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil. Doente, indicou como seus sucessores seu filho homônimo e seu genro, Antônio Pinto Nogueira Accioly, os quais lideraram o partido em choque com o senador Paula Pessoa, fazendeiro e representante do polo sobralense. A proclamação da República, em 1888, contudo, privilegiou os republicanos históricos, fortalecendo os liberais e isolando os latifundiários, freando as oligarquias rurais. Em consequência, como veremos adiante, houve um racha no grupo dominante, dividindo-se entre simpatizantes de Deodoro da Fonseca (“maloqueiros”) e de Floriano Peixoto (“cafinfins”).


 Início da República



Nogueira Accioly
O primeiro presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca (1889 - 1891) indicou e a Assembleia aprovou, sob a liderança de Paula Pessoa, o “maloqueiro” Clarindo de Queiroz para o governo do Ceará.  O mesmo, porém, acabou deposto em 1892, diante do golpe de Floriano Peixoto, dissolvendo os governos estaduais e os legislativos. A revolta armada, registrada em fotografias mostrando um grupo rebelde percorrendo o Centro de Fortaleza, acabou por destruir grosseiramente parte do Palácio da Luz e por derrubar a estátua de General Tibúrcio, que teria caído em pé. Nas terras cearenses, a ofensiva foi orquestrada por Nogueira Accioly, representante dos ricos comerciantes, importadores e exportadores. Nasceria, a partir daquele ano, a Oligarquia Accioly.


Floriano Peixoto


 A gestão de Floriano Peixoto (1892 - 1896) foi centralizada nos polos dominantes, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, indicando dirigentes nos estados e se fortalecendo, em termos de bases de apoio, através da distribuição de cargos e isolamento de opositores. Essa política, já conhecida, foi bem recebida pelos simpatizantes do velho coronelismo. Mas a partir de então, as lideranças locais tinham a orientação do chefe nacional do primeiro golpismo republicano, senador Pinheiro Machado, e daí a subserviência ao governo central. Tal adesismo contribuiu para o monopólio econômico, que enricou os capitalistas, favorecidos com empréstimos bancários, associados ao governo estadual, já que possuíam o privilégio dos negócios no exterior, como facilidades na importação de uma riqueza do momento: materiais para a estrada de ferro.


 Rodolfo Teófilo encara o Comendador


 Nogueira Accioly tinha os coronéis nas mãos e a eles ordenava medidas opressoras aos cidadãos carentes, vitimas das secas, proibindo-as de imigrarem e negando ajuda aos flagelados. Ou seja, os cearenses não tinham apoio estadual para aliviar a fome nem lhes eram permitidas partidas para outros Estados. As pestes que abalaram o solo cearense durante a seca de 1877 - 1879 estavam de volta, e, diante do descaso de Accioly, o Dr. Rodolfo Teófilo comprou uma briga para fabricar vacinas contra a varíola. E venceu. Tal embate fez a “oligarquia” perder deputados, de modo que a administração de Nogueira Accioly (1896 - 1900) acabou por ver o então “indesejável” Pedro Borges como seu sucessor. Mas na verdade uma vitória do chefe político ao assistir a aprovação das suas contas, pelo governo posterior, diante da maioria parlamentar oligárquica, em troca de uma senatoria.


Salvações no Papel



 A Política das Salvações imposta pelo governo do marechal Hermes da Fonseca (1910 - 1914) trouxe um alento aos opositores do coronelismo de então. Tratava-se de uma reação de parte de setores do Exército aos desmandos no País, procurando isolar as oligarquias com a ascensão de um militar rebelde. O arquiteto do “toma lá dá cá”, senador Pinheiro Machado, ainda governista como um certo partido hoje em dia,  já não era o interlocutor dos coronéis, mas, no Ceará, o Comendador Accioly continuava impondo a sua força, direcionando o seu PRC (Partido Republicano Conservador), presidido pelo deputado Thomaz Cavalcanti, junto às autoridades nacionais. O Ceará se posicionava contra as medidas do governo federal.


Primeiras Mobilizações




Concentração pró-Rabello na Praça dos Mártires em 1912. (O Malho)


A esperança a nível federal desencadeou uma reação de setores da sociedade fortalezense. Pequenos comerciantes, profissionais liberais, estudantes, funcionários públicos iniciaram uma série de manifestações contra a continuidade da oligarquia. Um desses eventos ocorreu no dia 21 de janeiro de 1912, a Passeata das Crianças e Mulheres, organizada pela Liga Feminina Pró Ceará, aglomerando, entre a rua General Sampaio e a Praça do Ferreira, cerca de três mil pessoas. Enquanto o povo delirava, soltando rosas, tudo se desenrolava pacificamente quando, ao discurso de um menino de dez anos na praça, a cavalaria irrompeu contra os manifestantes, atirando e resultando em correria, feridos, com uma criança e um comerciante mortos.


Odele de P. Pessoa

Os pais e demais cidadãos indignados se armaram com rifles a fim de enfrentar a polícia, que se abrigava no Palácio da Luz. Mas a cidade acabou ficando às escuras, afugentando uma rebelião maior, o que não impediu, no dia posterior, tiroteios defronte a Delegacia Fiscal e Cadeia Pública. Aproveitadores do momento de tensão saquearam e incendiaram a residência e a fábrica de tecidos, Progresso, de Nogueira Accioly; as residências de seus parentes José, Benjamin e Thomaz Accioly; as residências do ex-prefeito de Fortaleza, Guilherme Rocha, e do futuro, Cassimiro Montenegro; a residência de Gracindo Cardoso e a sede do antigo DNOCS, o IOCS (Palacete Carvalho Motta). O comendador assinou a renúncia e partiu, no vapor Pará,  para o Rio de Janeiro, de onde continuou coordenando seus correligionários.

Franco Rabello no Governo


  
Franco Rabello
O Tenente-Coronel Marcos Franco Rabello, com amplo apoio popular na capital, inclusive de setores da imprensa, venceu o pleito folgadamente, em 14 de julho de 1912. Uma vitória sem brilho de fato, afinal precisava de apoio do legislativo quando até nas bases liberais não podia confiar, já que muitos se abrigaram no Partido Marreta (“marretas”) de raízes aciolistas. Inclusive tentou o apoio de Nogueira Accioly com um cargo de terceiro escalão em vista a desacordos pontuais com Thomaz Cavalcanti. No dia 9 de dezembro daquele ano, eis que um levante de deputados tentou votar a deposição de Rabello. O povo tomou a Assembleia Legislativa, no Palacete Senador Alencar, e impediu que o mesmo se consumasse. Uma nova “rebelião popular” que serviu de pretexto para a reviravolta da parte do governo federal. Estava em evidência o período mais agitado e crítico da história cearense.


A Armação




Palacete Accioly incendiado. Rua 24 de Maio com Guilherme Rocha. ( O Malho)


Pinheiro Machado, na esperança de suceder Hermes da Fonseca, atraiu os “marretas”, todo o grupo de Accioly e o coronelismo de Floro Bartolomeu, médico baiano e parlamentar de Juazeiro no Rio de janeiro. Na capital federal, orquestrou-se uma “assembleia legislativa” dissidente, que, por seis deputados, elegeu Floro Bartolomeu, em sessão na terra de Padre Cícero, no dia 12 de dezembro de 1913, o novo presidente do Ceará. 



Batalhão pró- Rabello (O Malho)


E a partir daí dirigir-se para Fortaleza com o objetivo de tomar à força o Palácio da Luz, sede do governo. Acusado ainda de matar jagunços e bandidos que operavam para os coronéis do Centro-Sul e do Cariri, Franco Rabello teria pela frente um conjunto desfavorável, uma tropa com cerca de 400 pessoas, incluindo criminosos em busca de vingança, que tomava e amedrontava cidades a caminho da sua cabeça: Crato, Barbalha, Quixeramobim, Quixadá, Baturité, depondo os dirigentes pró-Rabello. No dia 14 de março de 1914, o presidente Hermes da Fonseca decretou a queda de Franco Rabello, assumindo o general Setembrino de Carvalho. No outro dia o povo acompanhou o político deposto até o cais na Praia do Peixe (Iracema). Rabello partia para o Rio de Janeiro, porém sem os gritos de “babaquara” como ouviu Accioly.


O Padim lava as mãos



Floro e Pe. Cícero
Pe. Cícero, em entrevista ao jornal O Povo, confirmou que entrou na política não porque gostasse, mas por pedido do seu amigo Nogueira Accioly, então presidente, para manter o equilíbrio que “o outro cidadão não sabia fazer”. Ainda no período de Franco Rabello “não hesitei em atender o pedido da população desta terra e autorizei que o meu nome fosse apresentado para voltar ao cargo de prefeito do município naquele mesmo governo que me era sobremaneira hostil” (Foi prefeito de 1911 a 1926). A despeito de ter sido 3° vice-presidente na gestão rabellista, Pe. Cícero, alegando “bárbaros assassinatos e espancamentos”, contribuiu para a reação ao governo estadual sem medir as consequências, embora, nesta conversa, tenha negado: “Meu amigo Dr. Floro Bartolomeu me informou que os chefes do partido haviam reunido a Assembleia Legislativa aqui (Juazeiro do Norte) em virtude da pressão contrária exercida pelo chefe do executivo. Ponderei em carta reservada pedindo a renúncia de Franco Rabello”. “Posso afirmar, sem nenhum peso na consciência, que não fiz revolução, nela não tomei parte, nem para ela concorri, nem tive nem tenho parcela de responsabilidade direta ou indiretamente nos atos ocorridos, por despeitos mal entendidos de ordem política. Estou certo de quando se fizer, sem paixão, a verdade à luz sobre esses fatos meu nome estará limpo como sempre foi”.

O Coronel assume o golpe




Batalhão de Floro Bartolomeu (Foto F. Fernandes Nascimento)
 Por conseguinte, Floro Bartolomeu também negou apoios de Padre Cícero e externo para a rebelião, ou seja, assumia a coordenação para salvar seus companheiros coronéis, que não eram  apreciados por Franco Rabello. Mas incorria à desculpa de que os mesmo não contribuíram financeiramente com os custos. O religioso, chantageado, temendo o retorno da questão religiosa (o tal milagre da hóstia sagrada), convenceu-se de que, para o progresso de Juazeiro do Norte (o que realmente aconteceu), melhor seria, como caudilho, ficar com os ideais de Floro Bartolomeu. Com ele encontraria a sua tranquilidade.


Juazeiro cresce com o político Padre Cícero


 As consequências do assalto das forças caririenses à capital foram danosas, tornando a política local mais centralizadora. O Dr. Joaquim Alves, natural de Jardim CE, fundador da Sociedade Cearense de Geografia e História, sócio do Instituto do Ceará, assim analisou Juazeiro após a queda de Franco Rabello: “A luta armada em que se empenharam os partidos em 1914 terminou com a vitoria dos homens de Juazeiro, que passaram, desde então, a influir, poderosamente, na máquina política do Estado, sendo Pe. Cícero eleito vice-presidente ao período imediato à revolução. O Dr. Floro Bartolomeu da Costa passou a dirigir a política regional em todos os casos locais”. Contudo, o historiador, ainda que em contradição à aliança com os coronéis e seus jagunços, fez a defesa dos envolvidos na sedição: “Não podia o Padre Cícero responder pessoalmente por atitudes de inimigos rancorosos como são os grupos que se destroem nos sertões. Não podia o Dr. Floro responder pela presença de chefes de grupos políticos armados em Juazeiro. Eram fatos que caracterizavam uma época”.

 Ceará dos Coronéis


 Estavam no poder novamente as forças do cabresto, os coronéis em cuja casa grande pelo menos um cavalo era de um jagunço. E aos que lhes pediam comida que procurassem o padre que idolatravam. Um grande trabalho, porem, teriam pela frente: uma grade seca provocaria uma nova desgraça no Ceará. E mais uma rota humana rumo a Fortaleza. Não de corja, mas de vitimas das ganâncias e maldades dos políticos.




Ao lado do seu genro e futuro senador Francisco Sá, temos Accioly deixando o Ceará após a renúncia.




Fontes: Jornal O Povo (CE)  "A Sedição de Juazeiro - Guerra Civil no Ceará" (Marcelo Ayres Camurça Lima), “Juazeiro, Cidade Mística” (Joaquim Alves), “Os Partidos Políticos do Ceará” (Abelardo F. Montenegro) e Acervo Lucas.




O governador Franco Rabello chega à Assembléia Legislativa (O Malho)

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