Liga Eleitoral Católica - O Integralismo no Ceará

 Surgimento da Justiça Eleitoral


 Após as eleições de março de 1930, vencidas pelo candidato governista, Júlio Prestes, ocorreu o movimento insurgente denominado Revolução de 30, que levou ao poder o derrotado, Getúlio Vargas. Sob alegação de fraudes eleitorais, o que, na época, era prática escandalosamente corriqueira, o novo governo, tratado de golpista e ditatorial, correu para por em evidência a sua promessa, fundando uma Justiça Eleitoral Especializada com o seu devido Código. Dois anos depois, com a instalação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, ela estava em prática no intuito de se focar acima dos interesses partidários, legitimando os pleitos através de novos alistamentos dos eleitores e consequente controle do processo, que se concluiria com a proclamação dos eleitos.


 Dois Partidos e Dois Jornais




Padre Helder Câmara em 1936 (Foto J.O.)

Tal esquema democrático, porém, viu-se ameaçado a partir da forma desse cadastramento. Diante de uma população formada por analfabetos e de base social majoritária e dominada pela pobreza, os partidos políticos assumiram a atividade dessa legalização, documentando e filiando o eleitorado à sua maneira. Não se admitia eleitoras menores de 21 anos ou analfabetas, poupando os homens desde que não fossem mendigos. Marcadas as eleições para a Assembleia Constituinte para 3 de maio de 1933, dois partidos e dois grandes jornais se destacaram durante a campanha no Ceará.



Jornal O Nordeste e a apuração. Dr. Waldemar Falcão e Ubirajara
Índio do Ceará eleitos pela Liga Eleitoral Católica.
O Partido Social Democrático (PSD) foi fundado em Fortaleza pelo Tte. Fernandes Távora, com apoio dos militares, defendendo a nacionalização do petróleo e das demais fontes de energia, e ao mesmo tempo a propriedade individual. Já a Liga Eleitoral Católica (L.E.C.) surgiu no Rio de Janeiro pelo cardeal Dom Sebastião Leme, bispo daquele estado. Com ela, partidos pequenos alinhados ao perfil católico, como o Partido Republicano Democrata e o Partido Republicano Nacionalista, que no Ceará  abrigava os remanescentes do Partido Conservador, da Oligarquia Accioly. Defendia, entre outros, a indissolubilidade do matrimônio e que a nova Constituição fosse promulgada em nome de Deus. Seu secretário, no Ceará, era Ubirajara Índio do Brasil. O jornal O Povo, do jornalista Demócrito Rocha, assessorado pelo seu secretário, futuro genro, deputado estadual e governador, o jovem advogado Paulo Sarasate, estava com o PSD; enquanto o jornal da Arquidiocese, O Nordeste, trabalhou firme para a L.E.C. Segundo os padres, todos os católicos de bem deveriam votar na mesma, "contra o satanás", e isso era uma grande vantagem diante do forte apego do cearense à Igreja. Dos pequenos, o jornal A Rua fazia oposição, O Estado situação, assim como o jornal A Razão, que assumia fanaticamente o integralismo.


 A Igreja Católica com os Integralistas



 Se por um lado trabalhou bem as críticas ao predomínio “elitista” dos pedessistas, apelando aos católicos através de sermões durante as missas, a L.E.C., "o partido de Deus", trouxe para o seu lado movimentos ligados à Aliança Integralista Brasileira (A.I.B.), formados por católicos conservadores e até clérigos simpatizantes dos conceitos fascistas, como o então Padre Helder Câmara, e alguns até do nazismo, conforme publicações na época no O Nordeste. Segundo Darcy Ribeiro, defendia “uma posição espiritualista, pela valorização às tradições cristãs, aceitação da doutrina social da Igreja e combate tenaz ao liberalismo, à democracia e ao comunismo”. Portanto, lutava por um governo fechado, mas cristão, condenando o protestantismo e o espiritualismo.



A Razão, de Fortaleza. Jornal integralista e em em defesa de Hitler

 Diante de uma campanha acirrada, mas de apoio ao governo centralizador de Getúlio Vargas e ao latifúndio, com o coronelismo disputado pelas duas alas, a L.E.C. saiu-se vencedora, elegendo seis deputados, sendo um da A.I.B., Jeovah Motta, do jornal A Razão, contra quatro do PSD, que culpou o interventor federal, Carneiro de Mendonça, pela derrota diante da sua neutralidade. Pressionado, Mendonça acabou se exonerando em 1934, quando novas eleições legislativas ratificaram a hegemonia da Liga, que para a câmara estadual levou dezessete deputados contra treze dos Távora. Essa maioria acabou elegendo, indiretamente, o novo interventor federal, o advogado e professor Menezes Pimentel, que administrou o Ceará pelo maior período da história, dez anos.


Palácio da Luz: posse do interventor Menezes Pimentel. Ao seu lado, discursa o Dr. Gomes de Matos. (O Estado)


 A A.I.B.  não teve problemas para instalar suas bases eleitorais no Ceará, afinal contou com o apoio do Chefe de polícia do Estado, Cordeiro Neto, futuro prefeito de Fortaleza, conhecido como militar linha-dura, postura que ficou mais evidente com os comunistas, pobres e negros.


Praça General Tibúrcio: posse de Menezes Pimentel (O Estado)


Gustavo Barroso, o Líder Integralista no Norte e Nordeste



 Da parte dos intelectuais, destacou-se o cearense historiador, jornalista e advogado Gustavo Barroso, líder das expedições dos “camisas verdes” no Norte e Nordeste, no sentido de difundir a causa da A.I.B. e a sua opção pelos ideais importados da Itália de Mussolini. Essa posição lhe custou o isolamento junto à maioria dos poetas e artistas de Fortaleza, simpatizantes da Aliança Nacional Libertadora (A.N.L.), fundada em 1935. Embora bem recebido pela maioria camponesa e católica, contudo, o integralismo aliava a bandeira da moralidade revolucionária, porém, na realidade, abrigou aqueles cujas práticas condenara, pois o seu discurso era contra os vícios, e assim assumiu a contradição de contar com os velhos políticos de históricos assistencialistas.  Assim a A. N. L., de esquerda e se aproximando do comunismo, passou a combatê-la.


 Igreja Contra a Maçonaria




Integralismo na Escola Normal (O Nordeste)
O jornal O Nordeste contava com a direção do jornalista integralista, Andrade Furtado, que, como fino redator, fez a defesa do estilo fascista, contra a reação dos simpáticos ao PCB, como líderes sindicais e do jornalismo, à frente Jáder de Carvalho, do jornal A Esquerda, que por pouco não foi baleado por integralistas. Mas outras três pessoas não tiveram a mesma sorte, foram mortas durante um tiroteio, em 4 de março de 1935, na Praça do Ferreira. D. Manoel, porém, insistiu em sua convicção de moralidade e não condenou os atos, mandando fechar a maçonaria e orientando os católicos a evitar pisar nas calçadas de centros espíritas. Já Helder Câmara ganhou a diretoria do Departamento de Educação do Ceará.

 Entretanto, em 1936, a L.E.C. desistiu de lançar candidatos, apoiando o Partido Republicano Progressista (PRP) e ajudando a eleger Raimundo de Alencar Araripe, ex-presidente da União dos Moços Católicos, prefeito de Fortaleza.



A Derrocada





O Nordeste destaca Hitler
Com a instalação do Estado Novo, e diante dos conflitos cada vez mais frequentes, Getúlio suspendeu os partidos políticos, ainda que tenha contado com os integralistas na base do seu governo. Membros da A.I.B. tentaram o golpe no golpe, atacando, em 1938, o Palácio Guanabara, sede do governo, no Rio de Janeiro. O Levante Integralista acabou com 1.500 presos e muitos fuzilados. Seu líder nacional, Plínio Salgado, foi exilado em Portugal por seis anos. A democracia só voltaria em 1945, com as eleições presidenciais vencidas por Eurico Gaspar Dutra (PSD). Mesmo com a anistia aos partidos e presos políticos, os integralistas não progrediram, derrotados nas as urnas.

Após a sua renúncia, em 1941, doente, aposentando, D. Manoel não mais influenciou na política, entre viagens e recolhimento em sua residência, na Av. do Imperador, até a sua morte, em 1950, no dia do seu aniversário, afirmando ao seu sucessor, D. Lustosa, não ser merecedor de perdão.

 D.Helder Câmara tornou-se defensor dos direitos humanos, enquanto a Igreja Católica só potencializou os problemas sociais, criticando o autoritarismo político, levando o evangelho ao campo, a partir dos anos 1970.

 O líder mundial do regime, Benito Mussolini, marechal do império italiano e aliado de Hitler, foi fuzilado por seus compatriotas, enquanto Plínio Salgado ao retornar de Portugal engajou-se novamente na política e ao jornalismo. Já o cearense Gustavo Barroso herdou o nome da Praça Fernandes Vieira, no bairro de Jacarecanga, na sua terra, a partir de 16 de dezembro de 1960, na gestão do prefeito Cordeiro Neto, militar, e cujo secretário de urbanismo era Raimundo Girão, ex-prefeito e seu ilustre amigo. Mostrou-se arrependido quanto ao movimento.



Revista Fon Fon: Integralistas na Praça José de Alencar (1934)

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