Antônio Martins - O Poeta Libertador


A Peste


Antônio Martins Jr
Ocorria no Ceará, na metade do Século XIX, uma peste que contagiava principalmente no período chuvoso, quando a água acumulada, feito poça, atraía um mosquito que, na época, não se tinha conhecimento: Aedes aegypti. A moléstia, que matava milhares de pessoas, chamava-se febre amarela. Não se restringia à capital, espalhava-se dos centros urbanos às comunidades miseráveis, motivo de constantes reuniões e mobilizações do corpo de saúde estadual.


Rumo a Trairi


 De Fortaleza, Antônio Dias Martins, o pai, capitão da Guarda Nacional, fez as malas com a esposa, Francisca Dias Martins (outrora Xavier de Albuquerque), e o filho, Júnior, nascido em 16 de junho de 1852, retornando à sua bucólica vila, Trairi, no litoral norte, onde os Martins se estabeleceram por volta de 1845 com relativo poder social. Logo após a chegada, em 1859, nasceu Amélia Dias Martins, que, jovem, conheceu Antônio Gomes Bezerra, cansando-se e indo morar em Pentecoste, onde o marido foi líder político durante a Oligarquia Accioly. Numa terra pouco habitada, com vasta vegetação e rio de águas límpidas correndo para o mar próximo, tinha tudo para um convívio sadio junto à natureza, quando Dona Francisca, anos depois, faleceu acometida de outra moléstia, provavelmente pela varíola, que matou milhares de cearenses.


 Caixeiro em Fortaleza


 Após o nascimento dos irmãos, Amélia, Augusto, Maria Augusta, Álvaro (o poeta) e Francisco (médico e seu colega abolicionista), fruto da relação do pai com Thereza Dias Martins, Antônio Dias Martins Júnior, o filho mais velho, educado pelo renomado professor da cidade, e futuro intendente, José Joaquim de Gouveia, retornou para Fortaleza, onde iniciou sua jornada de trabalho, adolescente, como caixeiro (ajudante), nas livrarias, adquirindo o lampejo para a pena, escrita. Pouco depois, com o prestígio do pai, conseguiu emprego na Alfândega. Embora numa repartição ligada aos interesses de D. Pedro II, Antônio convivia entre simpatizantes de dois lados, pró e contra a monarquia. Manteve-se mais tempo defensor dos conservadores por conveniências familiares, embora tenha entrado na política por influência dos Pompeu, liberais sem extremismo.



 O Jornalista "De L'Isle"


 
Jornal Constituição, 23/07/1883. Antônio Martins como "De L'Isle"

Iniciou na imprensa em 1875, quando fundou, ao lado do Professor Lino Encarnação e de Joaquim de Souza, o pequeno e temporário periódico “A Briza”, no estilo poético, como em “Ensaios Literários” e “Lyrio” no mesmo período. No ano seguinte, novamente com Joaquim de Souza e o estreante, Rodolpiano Padilha, publicou “A Mocidade”. Já em 1878 obteve espaço no prestigiado jornal conservador “Constituição”, que circulou durante 36 anos, como divulgador do trabalho da administração provincial. Nele, usou o pseudônimo de “De L'Isle” para publicar, durante três anos, uma série de folhetins, destacando-se a sessão “A Semana” ao lado de João Lopes, matérias concorrentes às de outros famosos articulistas do jornal opositor, ‘Cearense”, como João Brígido (um dos maiores jornalistas do País), Rodrigues Júnior, Thomaz Pompeu de Souza Brasil (Senador Pompeu) e Tristão de Alencar Araripe, sendo os dois últimos seus fundadores, todos liberais.



O Poeta


Com Antônio Bezerra de Menezes e Justiniano de Serpa publicou “As três Liras”, livro de versos e com finalidade abolicionista. A última parte delas é de sua autoria e denomina-se “Harpejos”, a tríade mais apaixonante do poeta, ele que mais esteve na intimidade das filhas de Zeus. Isso fez de Antônio Martins um grande poeta e fino cronista. Usando o criptônimo de Pery, levou para os jornais as mais delicadas crônicas. Com os seus fragmentos literários, e parceria com João Lopes, conquistou o gosto dos leitores, ao ponto de torná-lo hábito ou vício, tais a sua riqueza verbal e a suavidade do seu estilo. Das suas incontáveis inspirações transpôs para Harpejos: “Die Irae”, “Surge et Ambula”, “Estátua de Carne”, “Versos”, ao rolar do trem para Acarape, “Versos” à libertação da vila de São Francisco, “O Monge de Granito”, “Visita de Família” e “Contrastes” (5 Sonetos).



Abolicionista


Vultos da "Libertadora" (1880)

 Fervilhavam os movimentos abolicionistas no Brasil após a “Ventre Livre”, principalmente no Rio Grande do Sul, Amazonas e no Ceará, onde, no dia 28/9/1879, no final da devastadora seca de três anos, surgiu a “Perseverança e Povir”. Idealizada por Antônio Martins, responsável pelos estatutos, a organização era formada principalmente por seguimentos da classe média, pessoas de leitura, com conhecimento de movimentos idênticos ocorridos na Europa. Diante das manifestações via “Constituição”, as adesões aumentaram, de modo que, em 8/12/1880 nasceu a “Sociedade Cearense Libertadora”, tendo como um dos seus líderes Antônio Martins, ao lado de José Teles Marrocos, Manuel Albano Filho, Justiniano de Serpa (futuro Presidente do Ceará, ou seja, governador até sua morte, em 1923), Alfredo Salgado, Antônio Bezerra, Isaac Amaral, Pedro Borges, Pedro Artur de Vasconcelos, José do Amaral (vice-presidente) e outros como João Cordeiro, seu presidente apaixonado, que em seus inflamados discursos exigia juramento pela luta contra o silêncio do imperador, ao clamor de “matar ou morrer em prol da abolição”. Antônio Martins foi o principal redator do célebre jornal da "Sociedade", “Libertador”, fundado no dia primeiro de janeiro de 1881.
 De contraditório, porém, o movimento partir de conservadores, muitos comerciantes e escravagistas, por exemplo, e políticos que se ligariam à Oligarquia Accioly (revezamento entre políticos comandados pelo autoritário Nogueira Accioly), que assistiam à disparada negativa dos preços dos escravos, sendo provável que, por trás do “heroísmo” de alguns, houvesse interesses com fins ideológicos e demagógicos, com o advento do capitalismo industrial. Os liberais, por outro lado, viam o movimento com desconfiança, não aceitando a liberdade absoluta dos escravos. Mas, diante da repercussão positiva, como as manifestações populares, acabaram perdendo simpatizantes.

Redenção da Luz


 Antônio Martins foi um dos abolicionistas presentes no Acarape (Redenção), a primeira vila do País a abolir os escravos. No dia primeiro de janeiro de 1883, o movimento herdou ao Ceará o título de “Terra da Luz”. Em 2 de fevereiro do mesmo ano foi Dr. Rodolfo Teófilo quem comandou a “Liberta Pacatuba”, justamente na terra da sua esposa, Raimundinha. Entre os colegas da “Sociedade Cearense Libertadora”, destacou-se a líder feminista e abolicionista, a sobralense Maria Tomásia Figueira Lima. Nesse dia, Antônio Martins se encontrava numa ação idêntica, em Itapagé, então Vila de São Francisco de Uruburetama, onde 112 negros foram libertados.

 A caravana da liberdade vivia angariando fundos para seguir as estradas vicinais da época com destino à luz, tendo trinfado em 21 dos 58 municípios cearenses.


"Liberta Fortaleza"  encontra-se no Palácio da Abolição.
 Porém, as conquistas tiveram mais relevância no dia 24 de maio do mesmo ano, quando o Paço Legislativo declarou livres os escravos em Fortaleza. O ato de magnitude histórica foi retratado por José Irineu Souza (1883), na bela gravura de “Fortaleza Liberta” onde vemos algumas personalidades como Barão de Studart, José Francisco Albano (futuro Barão de Aratanha), o mais rico comerciante da cidade, e outros “abolicionistas” de posses, muitos ligados aos opositores liberais.


Liberdade na sua Terra - Trairi


 Martins levou para sua terra a grandeza de sua luta. Em 31 de dezembro de 1883, durante os festejos da padroeira, Nossa Senhora do Livramento, deu-se a libertação dos 249 escravos de Trairi, num ato marcado pela excepcionalidade na concorrida celebração religiosa, que mantém-se forte, e ao mesmo tempo revelando-se num registro histórico para aquele povo litorâneo. No cartório, porém, lavrou-se em primeiro de janeiro do ano seguinte.

 Somente, enfim, no dia 25 de março de 1884, a abolição estendeu-se a toda a província. Um dia histórico para o Ceará. O anúncio feito pelo presidente da província, Sátiro Dias, aclamado sócio-benemérito da "Libertadora" fez eclodir uma festa popular na praça Castro Carreira (Estação) após todo o dia de festejos, iniciados no Paço da Assembleia, onde um coral de 14 senhoras cantou o "Hino da Redenção", cuja letra é de Antônio Martins, na presença do novo Bispo, Dom Joaquim, seguido de longos e inflamados discursos, como o do próprio Martins, um grande orador, e de Dona Maria Tomásia, presença marcante no processo libertador cearense.

 O Amor ao Jornalismo e a Partida


 Após a causa abolicionista, elogiado pelos colegas, passou à redação do jornal “O Norte”, conseguindo com sua altivez na comunicação popularidade e uma cadeira no posto de senador estadual. Partia para a exclusividade jornalística e política. Assinando como "Pery", escreveu famosa crônica saudando a fundação, em, 28/06/1884, do Clube Iracema, do qual foi um dos fundadores, concorrente do Clube Cearense, num sobrado na rua Senador Pompeu com Guilherme Rocha. Deixou o cargo na Alfândega, queixando-se de dores, ao qual seu irmão Álvaro o substituiu. Adoentado, usou de todos os recursos para o tratamento na coluna vertebral, inclusive na Europa. Mas acabou falecendo no dia 31 de março de 1895, aos 42 anos. O “Diário do Ceará”, primeiro jornal da província, dedicou-lhe uma edição exclusiva no dia 30 de abril seguinte. Deixou os filhos Paulo Dias Martins e Antônio Martins Neto, além da irmã Amélia.


 Assim descreveu o seu colega Antônio Bezerra sobre o amigo:


 " O intransigente soldado das ideias novas tem demais um coração magnânimo que o torna ainda simpático por atos de generosidade, e apesar da modéstia em que se esconde, faz parte da plêiade valente que se ilustra nas letras e não escolhe meios para desbravar os tropeços que se antepõem à marcha triunfante dos pioneiros do futuro.


 Quando a pátria reconhecida tiver de refletir aos posteros os feitos mais gloriosos dos seus filhos pela estabilidade de sua legítima grandeza, seu nome avultará entre os mais queridos e mais respeitáveis. Há muito tempo que me habituei a prezá-lo como benemérito e como herói".

 Algumas dos seus registros:

 - “As três Lyras”, coleção de versos abolicionistas publicados em volume com os de outros dois poetas. Antônio Bezerra e Justiniano de Serpa.
 - “Discurso pronunciado na sessão inaugural da “Sociedade Cearense Libertadora”, em 8 de dezembro de 1880, Typ. Econômica, Fortaleza.
 - “O incêndio do Taboão”, poesia cuja venda reverteu em favor das vítimas dessa catástrofe ocorrida na Bahia.
 - “Introdução à Ata da Sessão Magna que Celebrou a Associação Perseverança e Porvir em 20 de Maio de 1883 - pela Extinção do Elemento Servil no Brasil”. Fortaleza, Typ. Universal, Rua Formosa 23, Cunha, Ferro & Cia, 1890.
 Raimundo Girão, competente historiador do Ceará sobre a realidade dos nossos escravos na época, segundo registro no seu livro, “A Abolição no Ceará” (1956):
Livro de Raimundo Girão
"Libertador" de 1 de janeiro de 1884 registra, como sendo de 31.516, a população escrava do Ceará, assim distribuída pelos diversos municípios: Fortaleza-Messejana, 1.273; Aracati-União (Jaguaruana), 1.159; Granja-Palma (Coreaú), 1.240; Acaraú, 440; Aquiraz, 449; Acarape (Redenção), 115; Assaré. 512; Barbalha-Missão Velha, 711; Baturité, 789; Canindé-Pentecoste, 516; Cascavel, 807; Crato, 835; Icó, 731; Ipu, 736; Imperatriz (Itapipoca) 882; Jardim, 446; Jaguaribe - Cachoeira, 608; Limoeiro, 608; Lavras, 768; Maranguape-Soure (Caucaia), 847; Maria Pereira (Mombaça), 438; Milagres, 586; Morada Nova, 367; Pedra Branca, 157; Pacatuba, 298; Pereiro. 465; Quixeramobim, 1924; Quixadá, 298; S. Francisco (Itapajé), 427; S. Bernardo (Russas), 1972; Santa Quitéria, 820; Santana do Acaraú, 941; São Mateus, 499; Saboeiro-Brejo Seco (Brejo Santo) 1130; São João do Príncipe (Tauá.); Arneirós, 1956; S. Benedito - Ibiapina, 135; Telha (Iguatu), 251; Trairi, 249; Tamboril, 614; Viçosa, 323 e Várzea Alegre, 153.    Aceita o Barão de Studart que, no dia da libertação total, em 1884, havia na Província 30.000 escravos, ao passo que Sousa Pinto, os estima em 31.754. Em 30.000 mais acertadamente calculava Rodolfo Teófilo, os existentes ao começar a seca de 1877-79. Na verdade, os 31.913 do censo de 1872, em virtude dos fatores apontados por Barros Pimentel, não podiam ser, no momento inicial da batalha libertadora, senão aqueles por ele indicados. Daí por diante, os libertadores fariam esse número cair a zerar.

Revista do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico) – 1987:

PERSEVERANÇA E PORVIR:

 Instalada no dia 28 de setembro, em homenagem, expressamente declarada, ao oitavo aniversário da Lei do Ventre Livre. A sessão efetuou-se na casa então nº 100 da Rua Formosa (Desde 1909, Rua Barão do Rio Branco), presentes os "sócios instaladores": José Correia do Amaral, José Teodorico de Castro, Joaquim José de Oliveira Filho, Antônio Dias Martins Júnior, Antônio Cruz Saldanha, José Barros da Silva, Francisco Florêncio de Araújo, Antônio Soares Teixeira Júnior, Manuel Albano Filho e Alfredo Salgado.
Três destacados membros da causa abolicionista cearense. (Arquivo Fortaleza Nobre)
 Pelos estatutos organizados por Martins Júnior e aprovados, com emendas, na reunião de 19 de outubro, a sociedade manteria um fundo de emancipação, que ia sendo alimentado com a contribuição espontânea dos associados e uma percentagem nos ganhos obtidos em cada operação mercantil. A primeira diretoria de mandato semestral foi eleita na mesma reunião: Presidente - José do Amaral (7 votos); Vice-Presidente - José Teodorico (5 votos); Tesoureiro - Joaquim de Oliveira Filho (7 votos); Secretário - Alfredo Salgado (8 votos); Diretores - Antônio Cruz (7 votos) e Barros da Silva (5 votos). Já se achava ausente o sócio Teixeira Júnior, de viagem para Lisboa, em tratamento de saúde.
 Continuou a interessante associação as suas reuniões em lugares diversos, ora na Rua Amélia (hoje Senador Pompeu) nº 125, ora numa das salas do Hotel de L’Univers, na citada Rua Formosa, ora na Rua Conde d'Eu, até que, de 11 de julho de 1880 em diante, passou a funcionar na sua sede do "Castelo da Rocha Negra", dependência da casa de residência do presidente, José do Amaral, "recentemente edificada", na mesma Rua Formosa, no quarteirão adiante do prédio onde se instalara. A esse tempo já se havia retirado para Belém do Pará o sócio Teixeira Júnior, pois, voltando da Europa, "não lhe fora possível obter um emprego condigno". Em sessão de 27 de junho fizera ele a declaração de sua retirada do Ceará e a sociedade, por seu presidente, explicou terem sido improfícuos os trabalhos para a consecução do emprego, "em vista da calamitosa crise comercial que tanto tem amesquinhado a nossa praça".
 A Perseverança e Porvir promoveu e efetivou, em 28 de setembro, sessão comemorativa do seu primeiro aniversário de fundação, com alforria de uma “escravinha” de 10 anos de idade. Falaram Nabor Albion Chagas, presidente da sociedade "Liberdade e Heroísmo", em vigoroso discurso; o Dr. Frederico Borges e Francisco Dias Martins (irmão de Antônio), este recitando versos alusivos ao ato. Firmam a ata da sessão muitos daqueles, cavalheiros e damas, que vão mais tarde desenvolver brava ingerência nas desabusadas lutas da libertação. Além dos 9 sócios, acham-se firmemente gravadas as assinaturas de Frederico Augusto Borges, Francisco Carneiro Monteiro, João Lopes Ferreira Filho, José Antônio de Castro e Silva, Gonçalo de Lagos Fernandes Bastos, Antônio Rodrigues da Silva Siqueira, Adolfo Barroso, José Alves Ferreira, Francisco Dias Martins, José Gomes Barbosa, Joaquim Carneiro da Costa Filho, Alfredo Borges, Bento Leite de Albuquerque, Catão Pais da Cunha Mamede, Francisco R. Salgado, Nabor Alboin Chagas, Joaquim José de Oliveira, Arnulfo Pamplona, Eugênio Marçal, Pedro Augusto Borges, Vitoriano Augusto Borges, Amanho Olinda de Vasconcelos, Luduvina Borges, Elvira Pinho, Júlia Amaral, Ana Joaquina do Rego, Maria Teófilo Martins, Francisca Nunes da Cruz, Joana Peres de Farias, Francisca Borges da Cunha Mamede, Maria Farias de Oliveira, Maria Teófilo Padilha, Maria Teófilo Morais, Joana Girard de Barros, Maria dos Santos Castro, Raquel Amaral, Teresa Adelaide Carneiro do Couto, Maria Cruz Saldanha e Adelaide Girard.
 
Itapajé,então Villa de São Francisco de Uruburetama. 1883
Na sessão de 3 de outubro "tratou-se do projeto de criação de uma sociedade humanitária, sob os auspícios da “Perseverança e Porvir”, entre senhoras, cujo fim é oferecerem, além de módicas joias e mensalidades, trabalhos de sua manufatura, que serão anual ou semestralmente vendidos em leilão público e os seus produtos reverterão em partes iguais para benefício da dita projetada sociedade e da emancipação de escravos". Ficou decidido que se procurasse levar adiante essa ideia, encarregando-se o senhor Secretário de fazer um plano de estatutos e de convites a algumas senhoras, particularmente por intermédio da diretoria, para instalar-se a sociedade, caso seja aceita a proposta. Não se tem notícias da fundação dessa sociedade, mas a ideia iria concretizar-se, mais adiante, com a das "Cearenses Libertadoras", como se verá depois.
 As atas de 8 do aludido mês de outubro e de 1 de novembro seguinte são de iniciação, em caráter magno, de dois novos irmãos — Raimundo Maciel e Luís Xavier da Silva e Castro, os quais haviam anteriormente obtido a unanimidade da votação nas esferas amarelas e prestaram o sacramental juramento do art. 11 dos estatutos: "Juro perante Deus, a Lei e os sócios presentes guardar, com honra e religião, os deveres de sócio da sociedade Perseverança e Porvir, para cujo grêmio entrei livre e voluntariamente, tendo em vista os deveres e o progresso comum social, como o meu próprio interesse". Maciel morava na vila de Aracoiaba e por este motivo esteve dispensado da assiduidade estatutária.
 É na sessão de 28 de novembro que se acertam as providências para a "reunião de 8 de dezembro seguinte, dia aprazado para a inauguração da “Sociedade Cearense Libertadora”, ficando combinado que todos os sócios tomariam parte ativa na promoção da festa, prestando-se de comum acordo para os preparativos de salões do Palacete d'Assembleia Provincial e mais outras precisões relativas ao dito fim".
 A “Perseverança e Porvir” acendia o estopim do barril de pólvora que seria a “Libertadora”, nas explosões de sua ação destemerosa e afoita, obstinada, exacerbada ao calor dos entusiasmos, às vezes sem freio, que ardem feridas ou arrebentam Bastilhas, mas constroem princípios de justiça e gloriosas diretivas de beleza cívica, profundamente humanas e niveladoras.
 Oliveira Viana divide em três fases a evolução do grande pensamento da libertação servil. A primeira, que se inicia em 1865 e culmina em 1871, com a lei Rio Branco, estabelecendo a liberdade dos nascituros, de caráter tipicamente moderado. A segunda, que começa com a aparição de Joaquim Nabuco no cenário parlamentar, trazendo ideias francamente radicais, e vem encerrar-se em 1885 com o fracasso do conselheiro Dantas, não querendo senão, ainda moderadamente, completar a lei de libertação dos nascituros com o seu projeto de libertação dos morituros, ou seja, os escravos sexagenários. E finalmente uma terceira, a da libertação imediata, que chega ao fim da campanha: "A ideia abolicionista, atingindo o máximo de expansão, tem todas as características da incoercibilidade, da irresistibilidade, da fatalidade", e "deixará a abolição de ser uma questão de partidos para ser uma questão nacional".
A rapaziada da “Libertadora” vivia, antecipadamente, a derradeira fase, quando na Corte o movimento ainda não perdera o tom da emancipação lenta, toda respeitosa dos direitos dos senhores de cativos. Só muito depois, como se verá, o radicalismo abolicionista adquiriu o impulso decisivo, já o Ceará podendo oferecer à Nação o exemplo do seu 25 de março.

"OS DOZE APÓSTOLOS DA SANTA CAUSA"

 A expressão é de um deles — Antônio Martins, no discurso pronunciado no ato de fundação da Libertadora.
A iniciação de Raimundo Maciel e Luís Xavier completara a dezena da mocidade idealista, sem faltar, sequer o menos-um iscariótico, que a tanto as circunstâncias adversas obrigaram, empurrando um deles para fora. Eram todos jovens. José Teodorico de Castro, o mais velho, com 36 anos. Dos outros mais idosos, José do Amaral e Joaquim de Oliveira Filho contavam 32 anos. O mais moço, Manuel Albano Filho, 21.

Entre todos, o mais destacado era José Correia do Amaral. Nasceu em Fortaleza, no dia 23 de agosto de 1847, filho do português João Antônio do Amaral, de quem foi sócio na sua casa de comércio de ferragens, a primeira deste gênero, na Capital. A mãe, também lusa, Maria Correia de Melo, viera de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, para o Ceará, em 1840, trazida pelos pais, o "patriarca da Ypioca" (sítio em Maranguape), Antônio José Correia, falecido aos 81 anos, considerado e respeitado, tal como sua mulher, D. Eugênia Rosa Bandeira. José do Amaral, de temperamento arrebatado e inquebrantável ânimo, impôs-se desde o começo à estima dos seus consócios da "Perseverança", a qual sempre presidiu, em sucessivas reeleições. Foi o elemento constante na direção da sociedade e soube conduzi-la com acerto e eficiência. Fez-lhe a sede em sua própria residência, batizada "Castelo da Rocha Negra", e deu-lhe tudo quanto estava em suas forças, no seu ardor pela campanha que o empolgava. Deu muito de si e muito de sua fazenda, gastando talvez mais do que podia, nela interessando diretamente a irmãos Arão e Isaac e as irmãs Eugênia, Júlia, Judite e Raquel, cujos nomes nunca serão esquecidos, como valiosas coadjutoras da memorável batalha redencionista.

 Transmitia o seu entusiasmo à própria filhinha única, do seu primeiro casamento com Maria Júlia Teles de Menezes Alves, a menina Abigail, que veio a ser a esposa do des. José Moreira da Rocha, Presidente do Ceará no período de 1924-1928. Quando da criação da "Libertadora", José do Amaral passou a servi-la com ainda maior disposição, eleito 1º vice-presidente sem, contudo, deixar a presidência da sua querida "Perseverança". Define-o este conceito de Júlio César da Fonseca: — "Abnegado e intransigente, pode-se dizer sem errar, constituiu o seu expoente (da Libertadora) máximo. Jamais consentiu que a causa que abraçou fosse maculada, um só instante sequer, por qualquer estigma ignominioso. Era um todo inamolgável de renúncias batalhadoras. O seu pensamento, o seu conceito, o seu sistema, o seu programa, tudo nele era um conjunto homogêneo de forças. Não sabia o que era a hesitação, só sabia o que era a decisão. Era a ação e a ação, como se elas fossem audácias dantônicas”. Faleceu na capital cearense em 26 de junho de 1929, aos 82 anos, portanto.
 Depois de Amaral, o homem de maior atuação e prestígio na original agremiação é Antônio Cruz Saldanha, nascido em Canindé, em 24 de abril de 1852, da tradicional estirpe dos Barbosa Cordeiro. Associado ao irmão Francisco, montou casa de negócios comerciais em Fortaleza e, como comerciante, largamente desfrutou da mais destacada consideração. Na "Perseverança", a sua experiência da vida mercantil era uma orientação para todos. Retidão de caráter e coragem, bom senso e inteireza de atitudes foram os seus grandes traços, na vida privada e na vida pública. Republicano convicto, nunca faltou ao seu posto nas pugnas da implantação do novo sistema de governo no País. Político militante, nem uma vez só desertou da linha avançada, na férrea oposição ao regime oligárquico plantado, com raízes fundas, no Ceará, pelo comendador Nogueira Acióli. Nos entreveros da abolição ninguém o superou no esforço e na abnegação, prestando-lhe inestimáveis serviços. Dele, dentro da "Perseverança", é que partiu o pensamento de fundar-se uma sociedade anti-escravocrata de maior amplitude — que seria a "Libertadora". Faleceu na sua fazenda de criar, em Canindé, a 26 de julho de 1908.
 José Teodorico de Castro viera do Aracati, onde nasceu em 8 de outubro de 1843, filho de Raimundo Teodorico de Castro e Maria Malveira. Ocupou, sempre, cargos na diretoria da "Perseverança", da qual foi solícito animador. Exercia funções comerciais e acabou empregado na Casa Boris Fréres. Falecido em Parangaba no dia 19 de março de 1901.
 José Barros da Silva, de quem não pudemos colher melhores notícias, muito concorreu para a vitória da Abolição. Fez do seu estabelecimento, denominado "Bolsa do Comércio", quartel animado das reuniões dos libertadores. Também nunca deixou de figurar na direção da sociedade, salvo depois que se retirou definitivamente para o Pará, em começos de 1882.
 De Francisco Florêncio de Araújo sabe-se que nasceu na serra da Meruoca, zona norte do Estado, em 27 de outubro de 1855 e, vindo para Fortaleza, abriu casa de comércio de tecidos na Praça do Ferreira, em local ocupado, em parte, pelo antigo Abrigo Central. Depois liquidou o negócio e empregou-se na Companhia Ferrocarril, da qual saiu para ingressar como auxiliar da Casa Boris, posto em que faleceu no dia 6 de maio de 1918. Casara-se em 1879 com Maria da Cunha Araújo. Era filho de Florêncio Lopes de Araújo e Maria Rita de Araújo.
 Manuel Albano Filho, o Manezinho na alcunha carinhosa, o benjamim da plêiade, viera de Pacatuba, onde nasceu na tarde de 9 de maio de 1858, filho de Manuel Francisco da Silva Albano e Maria Teófila Albano. O pai era um dos três irmãos Manuel Francisco, José Francisco e Antônio Francisco, os dois primeiros dos quais se estabeleceram na Capital com a loja "Libertadora", sob a firma Albano & Irmão, uma das mais ilustres e importantes casas importadoras em todo o Ceará. Marcado, como o irmão seu consócio, de forte inclinação filantrópica, recebeu José o título de Barão de Aratanha (1887). Albano Filho exercia a gerência da casa e, pela distinção de maneiras e simpatia pessoal, conquistou a popularidade e a afeição dos que o conheciam. O seu idealismo teve campo fácil nas façanhas libertárias, a começar pela "Perseverança e Porvir". "Foi um dos mais valentes e dedicados companheiros d'armas na luta incruenta, porém vigorosa e tenaz, da liberdade dos cativos". Faleceu aos 29 anos de idade, na manhã de 8 de agosto de 1887, em Parangaba. "Tinha n’alma espartana as virtudes de patriota e de cavalheiro antigo" — são palavras de Antônio Martins, ao fazer-lhe o necrológio. "Ao lado dos nossos mais fortes, ele tornou-se distinto e nunca, no seu entusiasmo juvenil, brilhou mais esplêndida e cívica irradiação de sua alma do que nos gloriosos tempos em que foi nosso camarada, nessa campanha de heroica abnegação, de que ainda hoje poucos conhecem o valor patriótico. Ele era o mais moço nessa legião e, entretanto, foi o primeiro a deixar-nos".
Sociedade Cearense Libertadora.- Antônio Martins sentado à nossa direita. Atrás dele Dragão do Mar

A CEARENSE LIBERTADORA

 Os sócios da "Perseverança e Porvir" souberam engalanar o salão de honra da Assembleia Legislativa para a magna solenidade de instalação da Cearense Libertadora por eles projetada. Muitas flores, a beleza da mulher, a vibração das almas, o suspense dos momentos augustos e fortemente espirituais.
 Às 11 horas já se achava tudo pronto, a casa plena de gente e de corações em ansiedade, na tensão nervosa das grandes expectativas. O dia 8 de dezembro de 1880 iria, inquestionavelmente, assinalar "uma data de ouro para o calendário da ideia abolicionista". E, apesar das escusas, que apresentaram os organizadores, sobre "as imperfeições que se deram na sessão, faltas que se desculpam atendendo-se a nosso pequeno número de sócios e à pouca prática nesses assuntos", nada se omitiu na espontaneidade da bela e inspiradora tertúlia.
 Não nos foi possível encontrar o livro de atas e o das inscrições de sócios da agremiação que naquela hora se fundava, mas os fatos se recompõem por miúdo em nosso espírito através das palavras dirigidas no ofício do dia 13 seguinte, pela diretoria da "Perseverança e Porvir", aos diretores provisórios da sociedade recém-criada e, notadamente, pelo Relatório ou Sinopse Histórica do Secretário Antônio Dias Martins a eles oferecida. Foram seus sucessores na tribuna os talentosos estudantes Raimundo Brito e Francisco Dias Martins, lendo aquele um ardente discurso e este uma mimosa poesia.
Jornal Libertador - da "Libertadora"

 O LIBERTADOR

 Dificilmente se alui a opinião pública sem a alavanca da imprensa e bem o compreenderam os da “Libertadora”. Trataram de fazer o seu jornal e o lançaram corajosamente no dia 1º de janeiro, menos de um mês decorrido da fundação da sociedade: "Por entre as brumas misteriosas da eternidade, o tempo fez sua evolução, e a terra nas expansões do seu júbilo saúda o Novo Ano. Aos primeiros albores de sua aurora celeste também surge na imprensa cearense um novo órgão de publicidade. Romeiro da esfera terrestre, cumprimenta o mensageiro celeste e, como ele, tem seu círculo a percorrer e sua missão a cumprir. Traça-lhes sua posição o programa que tem representado o jornalismo brasileiro. Nas suas lutas se debateram todos os interesses: a política e o comércio, as ciências e as artes, a indústria e a lavoura continuam a ter seus paladinos. Apenas foi esquecido quem tinha mais direito à solicitude do coração humano — o proscrito! Conviva infeliz, sentou-se ao banquete da vida para sofrer e morrer. A fera indomável da cobiça humana fez dele a sua vítima. Escravizou-o, vendeu-o, torturou-o e matou-o. Um milhão e quinhentos mil desses infelizes, crismados com o nome de cativos, ainda hoje não respiram livremente na pátria livre. 1822 negou-lhe o batismo da liberdade! Mais tarde mistificou-se, em seu detrimento, a lei de 7 de novembro de 1831 e prosseguiu terrorosa a mesma opressão. A consciência pública revoltou-se e a liberdade reclamou justiça. Entretanto, a lei de 28 de setembro de 1871 aludia à questão, mas não solvia a dificuldade. Com o país que se levanta em prol da mais santa das causas, vem hoje o “Libertador” inscrever-se na liça de seus combatentes". São estas as primeiras palavras da sua apresentação.
 De publicação quinzenal, este jornal é destinado à propaganda e interesses abolicionistas. Órgão da "Sociedade Cearense Libertadora", ele aceita qualquer publicação concebida nos termos do seu programa. Cada número avulso, 40 réis. Impresso na Tipografia Brasileira até o nº 6, passando à Tipografia Cearense, mesmo local, rua Formosa, 19. Impressor: Joaquim Lopes Verçosa. Formato: 21,5 x 30 cm., 8 páginas. Secções: Libertador, Gazetilha, Expediente, Folhetim, Literatura e Página do Povo.
Redatores: Antônio Martins, Antônio Bezerra de Menezes e José Teles Marrocos. Colaboradores, entre outros: Frederico Borges, Justiniano de Serpa, Martinho Rodrigues, Almino Álvares Afonso, Abel Garcia e João Lopes.
Manteve a sua publicação regular até o número 18, de 26 de agosto. Mais um número, em 28 de setembro, comemorativo da Lei do Ventre Livre e da fundação da “Perseverança e Porvir”; e outro, nº 20, em 8 de dezembro, primeiro aniversário da “Cearense Libertadora”, nascida assim sob os auspícios da Imaculada Virgem, "mãe do louro sonhador da Galiléia”.
 Esta explicação inicial: "Não tem podido sair regularmente, como pretendíamos, o nosso órgão — o “Libertador”, em consequência da afluência de serviço na tipografia onde se imprime. Na quadra anormal que atravessamos, em que só se respira o ar mefítico da política, atarefadas que se acham as outras oficinas, cada qual mais empenhada em encarecer os bons ofícios de seus candidatos à apresentação nacional. À vista disto tratamos da aquisição de um prelo para a publicação diária do “Libertador”, que se ocupará da propaganda abolicionista, dos interesses do comércio, indústria e agricultura etc. Não se intrometerá com a política, essa asfixia da dignidade da nação, porque só curará de bem servir o país. Montada convenientemente a empresa, como esperamos, não terão mais os nossos assinantes razão de queixa pela irregularidade da publicação e desde já comprometemo-nos manter ilesa a integridade do nosso programa. Mais alguns dias e estaremos em campo ao lado dos grandes batalhadores, pugnando pelos interesses de todos. Havemos de cumprir a nossa palavra"
 E após outras considerações, termina: — "É esta a nossa bandeira. Depois de longos meses de ausência retemperamos n'adversidade e na luta a nossa coragem para hasteá-la bem alto. Mas cumpriremos a nossa missão? E o que nos impedirá? Se o Libertador volta à imprensa, é porque tem todos os meios de independência na sua empresa tipográfica, na qual está sintetizada a “Sociedade Cearense Libertadora”. Seu órgão na imprensa não é instrumento de especulação alguma, política ou mercantil. Não visa lucros materiais e nem ambiciona o poder. Empenha-se, sim, com todas as suas forças, por todos os melhoramentos da sociedade e bem-estar do país que agoniza à míngua de patriotismo. Ajude-nos a Providência e seja conosco o civismo cearense".
Jornal Libertador, 24 de maio de 1883

 Noutra coluna explicava: "Fazendo sua estreia jornalística no 1 de janeiro de 1881, continuou sua publicação regularmente até 26 de agosto do mesmo ano. Mas o inquilino na casa de mercenário, comprara muito caro o seu foro de cidadão na imprensa que também editava o expediente do Governo. Contando assim 18 números apenas, despendido tinha já de sobra quanto lhe bastava para a aquisição do melhor prelo manual. Todos os sacrifícios que lhe deviam valer sua independência, não podiam sequer ao menos garantir-lhe o direito de liberdade de imprensa. E depois os acontecimentos de 30 de agosto, traçando a linha divisória entre a vontade soberana do povo e o poder arbitrário do governo, acentuaram profundamente a necessidade de conferir ao "Libertador" todos os elementos de vida própria. Ele devia, pois, ter seu lar e sua tenda. A imprensa política é um oceano em tempestade. 

 Qualquer jornal, estranho a suas lutas, que aí desfraldar seu estandarte aos ventos da publicidade, será sempre o ludíbrio do fluxo e refluxo de alheios interesses. O “Libertador” suspendendo sua publicação, nada mais fez que cumprir o seu dever. Bem longa, porém, foi a noite que passou sobre o povo abolicionista que proscrito, como o israelita, afirmava, entretanto, sua vitalidade à opressão de Babilônia..." E, mais para o fim: "O jornal que ontem não tinha onde reclinar a cabeça, dispõe hoje da mais completa oficina tipográfica da província. Mais longa também é a base do seu programa: não exclui a ninguém dos seus comícios e nem olvida o direito do proscrito que inscreve no número dos seus comitentes. Ressurgindo, pois, à publicidade, o Libertador já tem todas as condições de vida própria e, para viver, não precisa matar ninguém. Cesse, pois, toda prevenção. Como o Nthchez, ele acende o calumet da paz e saúda fraternalmente todos os seus colegas da imprensa".
 Reaparecera, com efeito o Libertador em formato grande de circulação diária e vespertina. Assinatura: 10$000 por ano, na capital ou fora dela. Número do dia: 40 réis. Número já arquivado: 200 réis.
 A sua tipografia, na rua Major Facundo nº 56, oferecia-se para preparar com prontidão qualquer trabalho concernente à arte tipográfica, com magnífico prelo a vapor, um prelo manual e uma máquina Magan, tudo material novo, sob a direção do mesmo Joaquim Lopes Verçosa. O prelo Standard Double Crown, fabricado por Fréderik Ullmer, viera de Londres pelo navio "Amazonense" e chegara ao Ceará em 27 de agosto anterior. Foi o mestre Antônio da Rosa e Oliveira que o montou, com toda a perfeição e sem querer pagamento, alegando que o fazia por "Estar prestando um pequeníssimo serviço à redenção dos cativos". A chegada do mesmo prelo foi anunciada pela Libertadora em boletim, que terminava com estas quadras:

O MONGE DE GRANITO

Original de Antônio Martins

"Era da tarde ao fim, que o vi de perto,
Já das brumas da noite o vulto incerto ...
Um gigante de pé;
Depois, à luz do dia contemplei-o,
Fui mais perto, mais perto - o mesmo enleio ...
"Infinito galé!"

Como ele é majestoso! Viu passarem
Com os séculos gerações a se abismarem
Na tumba das idades; - sentinela dos mundos no seu posto,
Tem das procelas rugas,  pelo rosto sulcos das tempestades!

Fez-se monge . . . Preferiu à cela escura
O ambiente sagrado da natura,
Entre os muros azuis da cordilheira;
E aí, n'um paraíso aos céus aberto,
Constituiu-se - um marco no deserto
- Ancora da fé na crença derradeira.

Quem sabe a sua lenda?
Altos mistérios . . .
Dorme com as gerações nos cemitérios
A história deste herói! . . .
Sondar quem pode a alma gigantesca
Dessa estátua sem luz - múmia dantesca
Que o tempo não destrói.

O povo aponta-o respeitoso e altivo,
Como a estátua fatal d´um redivivo ...
Do dilúvio . . . talvez?
Da arca de Noé caíra a nado,
Té que um dia - aportou extenuado
Dos serros no convés!

Foragido dos mares, da esperança.
Tanto lutou que teve na bonança
O seu último alento;
Hirtos os membros, cansados, sem conforto,
Ascendeu ao Calvário antes do Horto - no hérculeo passamento
Tem encelados os membros de granito,
Rolou lá das alméias do infinito dorso dos destroços.



Jornais


 Esteve o jornal “República” sempre fiel aos princípios abolicionistas e após a vitória continuou a circular como órgão do Centro Republicano. Com o advento da República fundiu-se ao Estado do Ceará, órgão da União Republicana (partido da coligação comendador Acióli — Barão de Aquiraz), para formarem A República, cujo primeiro número é de 9 de abril de 1892. O Partido Federalista resultou da contração do Centro e da União aludidos.
Durante o período de 1880-1884, começo e fim da guerra anti-escravocrata, circulavam em Fortaleza, ora em paz, ora às turras com o Libertador, mas simpatizantes declarados da causa, os jornais “A Constituição”, “Pedro II”, e também, mas em terreno contrário aos conservadores, com o “Cearense”.
“A Constituição”, depois "Constituição", da ala do Partido Conservador chefiado pelo Barão de lbiapaba (Joaquim da Cunha Freire) e um quase aliado, era dirigido por libertadores indúteis como Frederico Borges, Justiniano de Serpa, Martinho Rodrigues, Almino Alvares Afonso. Tinha como Redator-chefe Paulino Nogueira. Velha e tradicional folha diária, editava-se desde 24 de setembro de 1863. Nele, escrevia na coluna Folhetim assinando como De L'Isle.
“Pedro II”, o mais antigo, vinha de 12 de setembro de 1840 e nele escreviam, naquele tempo, Torres Portugal, Gustavo Gurgulino de Sousa, Luís de Miranda, Gonçalo de Lagos e Paurilo Fernandes Bastos. Era órgão dos conservadores partidários do Barão de Aquiraz (Gonçalo Batista Vieira), alcunhados de miúdos.
 A “Gazeta do Norte”, do Partido Liberal, facção no Ceará chamada Pompeus, porque era dirigida pelo Senador Tomás Pompeu e depois pelo seu genro Antônio Pinto Nogueira Acióli, tinha como redatores Tomás Pompeu Filho, João Lopes, Júlio César, João Brígido, Virgílio Brígido e João Câmara. Viera à publicidade em 8 de julho de 1880 e, com o triunfo republicano, transformou-se no “O Estado do Ceará”, a partir de 21 de julho de 1890. Colunista, Antônio Martins conseguiu, a partir, do "Norte", o posto de senador da República.

 O “Cearense”, quase tão antigo como o "Pedro II", pois começara a circular em 4 de outubro de 1846, era o jornal dos liberais obedientes ao Dr. Paula Pessoa e ao conselheiro Rodrigues Júnior. "Fazia oposição sistemática à campanha, no Ceará" (Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará - 1987)

Fontes: "Dicionário Biobibliográfico Cearense" (Barão de Studart), Revista do Instituto do Ceará e "A Abolição do Ceará" (Raimundo Girão).




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