Holandeses escondidos no Riacho Boi Choco/ Riacho Maceió, em Fortaleza. Lenda ou verdade?

 

                                Paisagens do Velho Mucuripe. Por Ânio Radamés

                                                                                     1941. Jornal O Nordeste (Fortaleza CE)

 

Conta-se que, um dia, um bando de crianças se banhava no arroio. Eis que, em dado momento, uma delas sente sob os pés um objeto estranho e de grandes proporções. Abaixa-se e procura levantá-lo. Não conseguindo, chama os companheiros. Toda a turma com grande esforço ergueu uma grossa corrente de elos desmedidamente grandes.

Tentaram arrastá-la ara as margens e não conseguiram. Apareceu, então, um homem um homem de cor escura, muito alto, de olhos reluzentes e cujos cabelos formavam dois tufos esquisitos na testa.



Ralhou com as crianças, que correram espavoridas, menos uma menina de doze anos, fitando-o. E ele a indagou:

- Por que não acompanhas os teus amigos?

- Porque não sou medrosa como eles.

- Como te chamas?

- Marta.

- Por que usa essa coisa no pescoço?

- Porque sou irmã do Carmo.

- Quê adianta isto?

- Muito. É um distintivo precioso.

- Põe isso fora e eu te mostrarei coisa mais linda.

- Vou tirá-lo, mas o senhor tem que pegar nele.

Mas ao retirar o escapulário, o estranho havia desaparecido.

Quanto à corrente, sua existência é certa, pois muitos moradores das proximidades já a viram e lhe tocaram. Há poucos meses, antes do desaparecimento de “Boi-Choco”, desfeito pelas marés fortes de janeiro, apareceu desenterrada pela maré-cheia, uma velha âncora da altura de um homem. Muitos banhistas nela se encostavam e se sentavam numa das três pontas recurvadas. Hoje, o local onde ela permanece está aterrado. Não seria essa âncora o complemento dessa corrente no talvegue do Maceió?


Mucuripe. Foz do Riacho Boi Choco/Maceió ao lado da Estátua de Iracema. (Tribuna do CE, 1967)

Outro fato interessante é o da aparição de um lindo veleiro. Uma senhora, tendo de viajar para o Cocó em companhia de um filho, saíra do Mucuripe alta madrugada. Ao descerem para o córrego pararam abismados, tolhidos pelo imprevisto da cena. A luz das estrelas refletia nas águas do Maceió um lindo veleiro, uma embarcação de grandes proporções, de quilha bem talhada e alta, tendo no mastro de mezena um farol aceso que iluminava em volta. Nas águas escuras do rio, o seu perfil se desenhava mais negro como uma barra indisivel. Sobre a coberta, vários homens se movimentavam em silêncio, todos vestidos de maneira esquisita, destacando-se, no conjunto, a igualdade no traje. A Estrela D’Alva nascia naquele instante e o veleiro lentamente, majestosamente, se internou pela mataria alta de mangues e de juremas.

A manhã os encontrou adormecidos sobre a areia do morro. Observando-se a conformação do lugar, atendendo ao grande avanço do morro de leste para o oeste, impelido pelas monções praieiras de Aquiraz e pela corrente marítima de promentório, de certo se fará uma suposição que não se deve distanciar muito da verdade. A de que o vale que se deslisa sobre o Maceió em tempos idos foram mais profundos e de margens mais distantes. Não seria navegável? Escondida, a 2,5 km da costa, mataria a dentro, não seria a Lagoa do Papicu ancoradouro de navios flibusteiros? Não teriam, ali, os piratas e os traficantes uma base descanso fora das vistas da capitania ou um porto de provisão? É notória a abundância de caça para os lados do Papicu e, ainda no século atual, caçavam-se veados, pacas, caititus nos termos adjacentes.

Nota do autor:

Boi-Choco é o local onde está edificado o edifício do Patronato, a cem metros do Mucuripe e aproximadamente 200 metros da Volta da Jurema. Aliada com esse edifício existia ainda, ano passado (1940), uma linha de casas que o mar destruiu.

 

 

Rememoro isso e muitas histórias, verdadeiras, outras lendas, mas tão interessantes, extraordinárias e ao mesmo tempo possíveis que, mais uma vez, afirmo comigo a velha teoria de que na lenda existe sempre um fundo de verdade. Por isso, resolvi contar o que ouvi nas noites frias de inverno, quando o terral começava a sua viagem ao mar, ou em pleno verão do Nordeste furioso, irrequieto, turbilhonando e dando vida a todas as coisas inertes lá fora.

                                                                                                         O Autor


Riacho Maceió, na Varjota, Fortaleza CE. Foto: Acervo Lucas


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