Líder portuário de Fortaleza. Legionários eram aliados dos patrões

 

A vitalidade e a felicidade do Sr. Vital Felix

                                               

                                        Transcrição do Jornal O Povo de 26 de setembro de 1981.

                                                

                                                                                               Texto: Lauro Ruiz de Andrade

 

A grande maioria dos moços da presente geração a seriedade do veterano líder dos trabalhadores portuários, Vital Felix de Sousa. UM líder, líder mesmo. Por intermédio de um dos seus netos, obtive o endereço residencial e encontrei o casal, o homem que eu já conhecia, desde os ruidosos dias do movimento legionário, liderado pelo então tenente Severino Sombra. Ao lado de sua esposa, D. Maria Marcolino de Souza, pontificou-se a narrar alguns episódios e pormenores da sua atuação na classe dos trabalhadores portuários de Fortaleza.

Nascido na cidade de Várzea Alegre no dia 14 de janeiro de 1894, dentre os jovens fundadores da Sociedade 24 de Junho, que funciona na Rua Meton de Alencar com a Senador Pompeu, sobrevivem apenas dois, o entrevistado e Francisco José de Lima, o barbeiro “Budu”, próximo de festejar seu centenário.


Primeiras lutas


As primeiras manifestações públicas de trabalhadores cearenses na defesa, interesses e ideais de melhoria de vida, tinham início com os comícios fomentados pelos abolicionistas e imediata adesão dos trabalhadores e jangadeiros chefiados por Francisco do Nascimento, o famoso Dragão do Mar. Anos depois, foi fundada a sociedade “Deus e Mar”, cujo prédio se localizava próximo à Igreja da Prainha, precisamente na Rua Franco Rabelo, onde hoje funciona o Sindicato dos Trabalhadores em Minérios.

Outra entidade da época era o Círculo de Trabalhadores Católicos São José, fundado pelo Padre Guilherme Vaessen, com vasta folha de serviços comunitário, inclusive um teatro e um jornal, “Fortaleza”.

Não se deve esquecer outra entidade que já teve seus momentos áureos, o Centro Artístico Cearense, cujo prédio está localizado na Av. Tristão Gonçalves com a Av. Duque de Caxias. Idem com a Sociedade São Vicente de Paulo, voltada à prática filantrópica e sustentada por uma numerosa turma de bons católicos, entre os quais Barão de Studart.

Mas o verdadeiro rumo do trabalhismo para a arregimentação sistemática de classes tão diferenciadas em suas atividades foi o reflexo dos acontecimentos havidos na Europa, o inesperado e rápido surto de ideias influenciadas pelos corifeus do integralismo, personificado na figura singular e carismática de Plínio Salgado.

Contrapondo-se ao lema “Pão, Terra e Liberdade”, apregoado aos comunistas, os integralistas brasileiros adotaram um “slogan” diferente, equivalente a uma plataforma sócio-política: “Deus, Pátria e Família”. Esses dois lemas exprimem bem as tendências. A grande massa proletária exigia coisas concretas e insubstituíveis. A pequena burguesia intelectual, que sofria os mesmos problemas proletários, acreditava no poder das tradições e na moral cristã tão vem fixadas na índole do povo brasileiro.

Este exórdio serve de explicação dos fatos pelo velho líder.


Sem letras mas com verbo


No começo da sua carreira, Vital Felix era analfabeto, mas possuía riqueza mais valiosa do que as letras: a inteligência aliada à coragem de falar com os homens. E sempre foi um homem de poucas letras, mas de palavra fluente e vibrante. Vital se recorda de ter sido alvo de uma deferência especial da parte do interventor federal Roberto Carneiro de Mendonça. Numa das grandes concentrações de trabalhadores no Teatro José de Alencar, aquele militar não se recusou a presidir a mesa a mesa da cerimônia. E o orador principal da festa, sem desmerecer outros de alta categoria, foi justamente o Vital, ainda sem os vernizes literários, só adquiridos posteriormente. Uma de suas frases ficou gravada na memória do repórter: “Eu não tenho instrução, mas me orgulho de ter inteligência”.

O movimento trabalhista no Ceará desenvolveu um programa de reivindicações, traduzidas nos diversos pronunciamentos na Praça do Ferreira, onde o coreto abrigava os oradores e permitia melhor audiência. Naquele coreto, de saudosa memória, as vozes do zé-povo não sofriam censura nem restrições, qualquer de pés descalços ou um tipo como Zé Levy, candidato perpétuo a uma utópica vereança.


Trabalhismo e integralismo


A Legião Cearense do Trabalho, fundada em Fortaleza por Severino Sombra, contava com a colaboração de outros líderes, entre os quais o capitão Jeová Mota, o tenente Carvalhêdo, o padre Helder Câmara, Ubirajara Índio do Ceará, Sidney Neto e de uma turma de estudantes, entre estes Vicente Bezerra Neto, Olavo Miranda, José Lister Ibiapina Parente, Halley Alcântara e outros que se reunião no prédio da Rua Floriano Peixoto, defronte aos Correios e Telégrafos.

Sem nenhuma dúvida, o integralismo teve uma acolhida simpática por parte de grande parcela da intelectualidade cearense, já muito deteriorada pelas vãs promessas dos políticos profissionais.


Ordem com reciprocidade


Deixemos de falar, com sua vivacidade igual a de sessenta anos atrás, o nosso veterano legionário:

“No dia seguinte ao da manifestação cívica do Teatro José de Alencar, recebi uma ordem do capitão Carneiro de Mendonça para comparecer ao Palácio da Luz, um homem sério, de várias virtudes. Perguntou-me quais eram as intenções dos trabalhadores que faziam aquele movimento e também o que eu pensava sobre a possibilidade de distúrbios provocados por pessoas aproveitadoras da situação.  Na qualidade líder mais próximo dos trabalhadores, respondi que eu tinha obrigação de orientá-los sobre o que fazer, respeitar as autoridades constituídas, mas também exigir destas o dever de fazer justiça aos que trabalham e são tão mal recompensados”.


Capataz e líder


“Sempre fui um elemento conciliador. Trabalhei durante anos como capataz de estivas na firma Boris Frères. O meu patrão, Aquiles Frères, era um homem muito generoso. Uma vez, quando a turma não tinha o que fazer, ele me perguntou o que fazer para evitar descontentamento do pessoal.  Se não nada para se fazer, respondi, fiquem todos de férias. Ele indagou: “Se não trabalham não têm direito ao salário. Mas não permitirei que isso aconteça”. E ordenou ao encarregado do pagamento que fizesse uma folha especial não a título de esmola, mas como direito legítimo. Era o que hoje se chama uma indenização por desemprego eventual. Este procedimento de capitalista esclarecido devia ser imitado por todos os empresários. Porque não deve haver antagonismo nem luta entre o operariado e o empresariado. O que deve haver, e até hoje pouco se faz, é cumprir as leis trabalhistas inauguradas por Getúlio Vargas. E mesmo sem leis, como no episódio citado, pode haver justiça e humanismo”.

E o velho legionário, agora de cabelos brancos, mas dono de um raciocínio fluente e rápido, entrou na sala e tirou um retrato de Getúlio, exibindo, com orgulho e veneração, o “Ecce homo”.


A vitalidade de Vital


E como remate de suas palavras, informou qual o motivo de sua vitalidade (uma coincidência com o nome próprio): “Nunca bebi álcool, não fumo nem bebo café”.

Conclusão de algum macrobiótico. Todas as pessoas que desejarem envelhecer com saúde física e mental podem seguir o conselho de Vital Felix de Sousa, o legionário de muitas lutas coletivas. Humilde e modesto, tem forte personalidade. Sabe falar com os homens. E é feliz. Outra similitude com o nome? De qualquer maneira vitalidade e felicidade não apenas no nome.

Sirvam de exemplo as duas vidas paralelas. Vital, com 87 anos, e D. Maria, com 82 anos, ao lado dos seus netos estudantes e de sua filha única, pois o outro faleceu aos 41 anos, podem considerar-se realizados, não materialmente, pois “a melhor felicidade do homem consiste em viver satisfeito consigo mesmo, o que se consegue pelo trabalho r pela coragem de enfrentar as dificuldades da vida”.


Senhor Vital e D. Maria ( O Povo)


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