José Levi - Voz do Povão na Praça do Ferreira


Zé Levi em 1945
Correio do Ceará

 


A bucólica Fortaleza chegava ao século XX voltada para os jornais, diante dos  movimentos político-sociais que transformavam o país, a Europa e os Estados Unidos. A leitura era o centro das atenções da Praça do Ferreira. Em seguida, os debates acalorados dos seus frequentadores, ou seja, o termômetro político da capital cearense. Por conseguinte, o chefe político era centro das discussões. E nessas rodas não se encontravam apenas os intelectuais, os donos das vagas nos melhores acentos da praça. Populares também tomavam partido e davam opiniões, embora com ressalvas, pois eram os melhores alvos da polícia. Havia um desses cativos, cearense raiz, baixo, deficiente de lardose, com o tórax deformado, cabelos grandes, bom de prosa, que não se intimidava e abria o verbo.

 

“Trajava casimira e o seu jaquetão enfeitava-se com uma infalível rosa na lapela. Grossa corrente de ouro ligada ao cinto sustentava o relógio, colocado no bolsinho da frente da calça. Chapéu de massa de copa dobrada e guarda-chuva”. (Correio do Ceará)

 

José Levi não era um intelectual, mas estava, desde 1911, nas turmas de discussões políticas com Quintino Cunha e Lindolfo Barbosa Lima, por exemplo, pessoas cultas, letradas e de puder da oratória, a qual o outro ouvia e tentava se associar. Crítico dos governos, notadamente de Nogueira Accioly, aproveitava as concentrações para discursar, de preferência do tradicional coreto, com o dedo em punho. Falava, misturava “coisa com coisa”, e não era aplaudido como os demais, mas alvo de deboches, reações que não o intimidavam.

Estudava, lia e, com sua inseparável câmera, máquina símbolo da modernidade, e da Belle Époche, fotografava a sujeita das ruas, a calamidade sanitária, os causos de sua época, por certo se achando um membro da imprensa, objeto de respeito e de conhecimento. Mas contrariando seu lado radical, e talvez correto e sensato nos momentos adequados, apoiou chefes locais marcados por escândalos e conchavos, como os governadores Moreira da Rocha (o Moreirinha) e Matos Peixoto, famoso advogado, que foi seu professor e que saiu do poder para a prisão.

Mais adiante no tempo, Raimundo Girão, jovem prefeito que criou a Coluna da Hora, grande orador e inteligente, também chegado à prosa e à movimentação política, o considerava uma pessoa vulgar, com discursos “tolos e cheios de asneiras”. Mesmo assim José Levi o estimava como a muitos que lhe debochavam. Continuou as suas cenas, e foi além, fundando para si o Partido Pessoal, a agremiação de suas ideias eivadas de provocações aos partidos políticos.

Naquela década de 1930, conturbada, com os getulistas no poder via golpe e Menezes Pimentel interventor federal do Ceará, nosso incansável lutador, que pleiteava assento parlamentar pelo voto, retirou-se para não ser preso. Recluso em Pacatuba por dois anos, retornou quando teve certeza de que reinava a paz, segundo o próprio, chamado pelas autoridades “graças ao meu esforço e competência”. 

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1937. Almoço para os nazistas no Clube dos Diários. Foto: Aba Film.


Em seis de janeiro de 1937 aportou em Fortaleza um navio nazista, recebido com poupas por elementos da sociedade local, principalmente pelos comerciantes. Crítico do integralismo, Zé Levi protestou com veemência, ameaçando processar os defensores do nazismo na PMF, afinal, segundo ele, era perseguido por ter nome judaico. Discursou do pedestal da Coluna da Hora: “Condenei veementemente aquilo, pois precisava chamar a atenção dos cearenses para um fato que talvez viesse o advento do plinismo* que se desejava implantar no Ceará”.

*Corrente ligada a Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira.

 

 

Navio-escola de guerra Schlesien, construído em 1906, possuía 127 metros de comprimento e 22 metros de largura; transportava 13.200 toneladas, contando com quatro canhões. Além do comandante e demais marinheiros, era auxiliado por 27 funcionários e um “padre protestante”. Sua presença no Brasil, pelo Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza, finha como objetivo, segundo os convidados, “estreitar as relações” entre os dois países.

Recebeu homenagens do Instituto Teuto Brasileiro de Alta Cultura, filial do Ceará, na Casa Juvenal Galeno. Sua diretoria era formada por Daniel A. Lopes (presidente), Fernandes Vianna (secretário), Lauro Chaves (tesoureiro), além de Lauro Nogueira, César de Moraes Fontenelle, Abner Amaral e Ubirajara Coelho de Negreiros, quando se ouviu o hino alemão durante sessão artística que contou com mulheres pianistas tocando músicas alemãs. O famoso Praia Clube, da Praia de Iracema, publicou nos jornais convite para o público assistir competições, incluindo corrida de jangadas em saudação aos visitantes nazistas. Entre as várias homenagens, um almoço no Palace Hotel ofertado pelo Rotary de Fortaleza, destacando-se representantes do comércio local, como Inácio Parente e Pedro Philomeno e João Menescal Villar. Discursaram o ex-prefeito Raimundo Girão (o historiador), Oswaldo Studart (representante local da Ford e político), Clóvis Matos (presidente da Associação Comercial do Ceara´), que pediu salva de palmas à bandeira alemã; e o comandante do navio, Von Seebach, com um tradutor ao lado. Não faltaram ainda outros almoços e jantares, inclusive no Clube dos Diários, instalado no belo Palacete Guarany.

 


1937 - Bandeira Suástica no Ceará. Foto: Aba Film


Zé Levi se enquadra dentro do padrão brasileiro da época, em busca de um país democrático e ansioso por uma renovação política. Sua visão e análise sobre o integralismo e o nazismo se formaram de imediato, sem a influência dos principais canais de informações de então: a imprensa e a Igreja Católica. Estava ciente do que poderia vir, e assim se confirmou durante a II Guerra. Certamente deve ter feito seus maiores discursos, quando seus críticos não tiveram alternativas senão a desculpa por apoios aos regimes autoritários de direita.



Ao lado do jornalista Eduardo Brígido
Correio do Ceará, 1945.



Fonte: Correio do Ceará. 1945

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