Álvaro Martins. Entre os Maiores Poetas do Ceará


O Maior Poeta Morto do Ceará - Jornal A Rua. Fortaleza, 13 de outubro de 1933.  Por Murilo Mota


 
Álvaro Dias Martins
Ninguém, até hoje, cuidou de saber quem é o maior poeta morto do Ceará. Diz-se, vagamente, que fomos possuidores de celsos dedilhadores  da musa, de altos espíritos de musagetes fidalgos, mas pessoa alguma se deu ao piedoso trabalho de pesquisar pelo estudo ou averiguar pelo consenso da intelectualidade indígena, qual seja em verdade o maior poeta cearense dentre aqueles que se enfileiraram ao rol dos mortos.




 A questão não é, como possa parecer à primeira vista, das que se resolvem assim de um modo ao mesmo tempo fácil e seguro, como certos teoremas algébricos e geométricos, que se solucionam sem esforço algum, com a ajuda dos logaritimos. Requer meditação e critério, sem os quais nada de definitivo, de certo, de genuinamente verídico se alcançará.


 Quero crer que é fora de toda dúvida o fato de que para a escolha do “primus inter pares” dos poetas cearenses mortos, três nomes devem surgir à vanguarda à frente dos demais: Juvenal Galeno, Álvaro Martins e José Albano. Destes, deve ser escolhido e aclamado o príncipe dos nossos citaredos defuntos. Certo de que outros, de igual modo admiráveis e brilhantes, existiram, nenhum deles atingiu o esplendor e mesmo o glorioso renome alcançado por esta trindade de nomes tutelares de nossa esquecida e malsinada poética provinciana.


 Para a escolha de seu bonzo aureolado, há a acentuar a imperiosa necessidade de se adotar um critério por meio do qual sejam estes três poetas discutidos  e estudados no ramo de poesia que exploraram e em que fulgiram. Não seria justo, de maneira nenhuma, que, por uma simples tendência de gostos, fossemos levados a aclamar este ou aquele poeta, que da esgalhada árvore do verso tivesse explorado um dos ramos que mais nos agradasse e seduzisse.


 
Fac simile do jornal A Rua, de 1933

Dizemos isso atentando justamente na evidente diversidade entre os três poetas  supra indicados. Juvenal Galeno foi, por exemplo, um valente, um bravo corifeu do abrasileiramento  das nossas letras. Realizou ate um trabalho mais útil que o indianista de Gonçalves Dias. Fundo amor regionalista o fazia torcer o rosto ao ranço do classicismo bolorento e nada lhe soava mais melodiosamente aos ouvidos rústicos que o ritmo dondilha popular ou de uma quadrilha aligeirada transformada nas mãos encantadoras das melopeas pelo encanto emocional de um menestrel matuto.


 Já Álvaro Martins não avançava tanto no seu amor, por assim dizer, folclórico. Amava a sua gente e a sua terra e delas foi um cantor enternecido e singelo, cujo brilho sentimental se punha em flagrante contraste com a simplicidade, a humildade gloriosa de suas rimas. Há produções suas, de gênero regionalista, destinadas a ter a mesma vida da poesia cearense, Talqualmente Juvenal Galeno, no seu gênero popular, Álvaro Martins, o dedicado e robusto criador de Xiquita, não tem rival no seu encanto e lirismo de rapsodo das coisas em cujo acalento nasceu, viveu e morreu.


 Com José Albano, verifica-se um fenômeno diametralmente oposto. Avesso à toda a simplicidade rústica, à toda a pobreza discreta de rima e amante da variedade policrômica do vocabulário acadêmico, voltou-se inteiramente aos processos clássicos, tentando ressurgir, em plena alvorada do século vinte, o quinhentismo rígido de Camões e Gil Vicente. Foi um purista inigualável , sentindo=se nos seus versos, que são reveladores de emoção artística  de uma grande, de uma alta, de uma iluminada alma de poeta, em que a preocupação de forma, do aticismo linguístico e verbal denunciava a elegância, a fidalguia heráldica que lhe eram características.


 Foram, assim, grandes os três, em gêneros e de formas diferentes. Há, para a escolha do “magnus parens” , a dificuldade embaraçosa do “embarras du choix” , Bem difícil, portanto, foi a tarefa que vem de tomar a ombros o Centro Estudantil Cearense,procurando aclamar, por meio de seus habituais torneios intercolegiais de cultura, o maior poeta morto do Ceará. Bem difícil e intrincada principalmente quando se atenta na veracidade  do venerabilíssimo chavão que reza, acertadamente, que “de gustibus non”.


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