Abrigo Central - Acrísio Moreira da Rocha, o "Prefeito do Povo"
Abrigo em Obras (Gazeta de Notícias) |
Naquela manhã, feriado de 15 de novembro de 1949, diante da
tradicional brisa da Praça do Ferreira, os apaixonados pela cidade presenciaram
a inauguração de mais um monumento da capital alencarina. Na quadra norte do logradouro, o Abrigo
3 de Setembro, o popular Abrigo Central, onde um dia existiu uma vacaria, um
complexo comercial com administração terceirizada, marcado por uma arquitetura
moderna para a época, abria-se para o fortalezense. Para o prefeito, Acrísio
Moreira da Rocha, preenchia uma lacuna, como o ordenamento do transporte
urbano. Exageros à parte, como a capacidade de abrigar “quatro mil pessoas”, o
imóvel surgia num momento de crescente estabilidade social e comercial, num período
em que reinava o populismo político, pelo qual Acrísio preenchia bem o requisito.
O Prefeito e sua Praça
Ed. José Jereissati em construção, mas com a loja 4400 (Brasileiras) funcionando no térreo. (Arquivo Nirez) |
O chefe do executivo,
eleito com folgada margem pelo Partido Republicano (PR), controlado por ele e
sua família, chegou de forma imponente à praça, a quem tanto amou, às dez horas, num carro conversível, saudando
a curiosidade do povo, calculado em sete mil pessoas, que o aplaudia, quando a
festividade teve início. Após demorados discursos, numa estendida cerimônia,
finalizada após o corte da fita pelo representante do comandante da 10ª Região
Militar, estava entregue mais um prédio que marcou os cearenses.
Ausências na Tribuna
Anúncio da Alaor no Gazeta de Notícias |
Entretanto, o
governador, Desembargador Faustino de Albuquerque (UDN), que tornara-se
adversário político de Acrísio (de quem fora seu secretário em 1946), não
compareceu ao ato. Enviou o assessor Antônio de Pádua Campos em seu lugar. Com
o comando militar (10a RM, Base Aérea e Marinha); do judiciário (Tribunal de
Justiça e TRE), eclesial (Cônego Rosa, que benzeu o imóvel), legislativo
(Assembleia Legislativa e Câmara de Vereadores) e comercial presentes ou
representados, foi um acontecimento que antecipou os debates para as eleições
do ano seguinte, um termômetro para medir as forças políticas estaduais.
"Jamais tive Inimigos"
Inauguração: Acrísio discurso com apelo popular. (Gazeta de Notícias) |
Disse o prefeito em seu discurso, de improviso: “No tabuleiro da política cearense, a Prefeitura de Fortaleza é um ponto chave, uma
vez que, nas mãos dos grupos políticos que me precederam, o uso da máquina
administrativa, que deveria ser coletiva, continuaria sendo usada para
benefícios políticos, como troca de empregos e vantagens pessoais. Porém, sob
minha direção, aquilo não se presta, não
criei um só cargo sob a sujeição de organização partidária em virtude do plano
que me tracei em 7 de dezembro de 1947, por certo que eu, fatalmente, teria que
travar combates, entrando em lutas, não contra inimigos pessoais, que jamais os
tive, mas contra adversários surgidos em virtude da orientação própria que sigo,
no exercício do meu cargo. Quando consenti que o meu modesto nome servisse de
bandeira para o povo de Fortaleza, na mais memorável batalha eleitoral, jamais
travada entre nós, eu sabia, de antemão, que teria de arcar com esse ônus. E
eu, que prezo a minha honra e a minha dignidade, mais que a própria vida, mais
do que ninguém sei prezar a honra e a dignidade alheia. Portanto, frente a
frente com o povo, com o qual tenho tido direto contato por mais de uma centena
de vezes, povo que sabe da sinceridade das minhas palavras e das minhas ações,
afirmo que não há o mais leve fundamento, sendo a mais vil das calúnias
levantadas contra a minha pessoa, calúnias que, a estas horas, estão
completamente desmoralizadas, como verifico no semblante da pessoas que aqui me
cercam”.
No Antônio Bezerra
Acrísio sempre respondia às saudações (Gazeta de Notícias) |
Logo após, seguiu-se
uma “carreata”, numa época de raros veículos na cidade, rumo ao bairro do Antônio
Bezerra, onde houve um almoço no Grêmio Recreativo daquele bairro, o GRAB, que
ainda existe, na rua Hugo Víctor. E à noite, segundo o jornal Gazeta de
Notícias, a quem lhe fazia vibrante aliança e consequente defesa (até aquele
ano, 1949), festividades populares nos clubes suburbanos: Santa Cruz, Marajaig, Jabaquara, Riachuelo,
Ipiranga e dos Tabajaras.
Na verdade, a
natureza que resultou na construção do Abrigo Central lembra a atualidade, pois
o mesmo foi viabilizado através de concessão,
cuja licitação foi vencida pela firma Luiz Quinderé & Filho, e por
coincidência transferida ao jovem empresário Edson Queiroz (Sociedade
Imobiliária Cearense), a quem coube o direito de exploração por treze anos e
meio (1954)após concluir o prédio com seus recursos financeiros. Segundo parte
da imprensa, o abrigo possuía uma arquitetura “moderna, bem acabada e, de resto,
a única, no gênero existente no Brasil”, custando cerca de Cr$ 2.000.000,00.
Abrigo Central
Bodinho e sua banca no Abrigo Central (Tribuna do Ceará) |
O seu interior era
dotado, segundo a PMF, de “todas as comodidades e instalações de serventia
pública”, como box de merendas, sendo o mais famoso o do “Pedão da Bananada” (“Lanchonete
do Pedão da Bananada”); os cafés Wal-Can e Hawaí; a Livraria Alaor (que
abastecia as bancas do Centro e de lá mesmo no abrigo: Holien Livros, Bodinho e
Raimundo - algumas das visitas ilustres às lojas e bancas de livros e revistas
foram do presidente Castelo Branco, da escritora Rachel de Queiroz e do Padre
Antônio Vieira, que inclusive lançou livro ali ); a Confeitaria Cidrack, armarinhos,
lojas de selo, a engraxataria aos cuidados do Zé Limeira e a conceituada loja
musical Discolândia.
Pedão da Bananada (Tribuna do Ceará) |
O prédio, contudo, não durou muito tempo. O plano diretor
da administração do prefeito Murilo Borges previa a retirada de
veículos do entorno da Praça do Ferreira, e alegando ameaça de ruir, o mesmo
foi dinamitado em 1966. A radical reforma da praça, na gestão posterior, José Walter Cavalcante, levou, também, a
Coluna da Hora, segundo as autoridades "ameaçada de desabar" por ter sido construída "sobre uma cacimba".
O Sogro e o Assistencialismo
Acrísio era dentista,
mas segundo as conversas no abrigo “nunca arrancou um dente”; apegado ao sogro,
o industrial Pedro Philomeno Gomes, vivia sob influência da sociedade americana,
mas se dizia homem do povo, sendo idolatrado por sua oratória populista, que
realçava esse sentimento, de realidade contraditória. Assistencialista, gostava
de “ajudar” as pessoas. Naquele ano de 1949 caiu um “dilúvio” sobre a cidade. O
prefeito ofereceu indenização aos desabrigados, entregando-lhes dinheiro em espécie,
o mesmo a atletas que se destacassem regionalmente. Claro, clicado pelas “objetivas”
dos jornais dos Diários Associados.
Política de Alianças e de Rompimentos
Crisanto e Acrísio Moreira da Rocha (Gazeta de Notícias) |
Em 1950, o candidato
de Faustino ao governo, Edgar de Arruda (UDN), acabou perdendo para Raul Barbosa (PSD), este apoiado por Acrísio
(e por seus irmãos, deputados Crisanto e Péricles Moreira da Rocha, o Pekim), a
primeira derrota da UDN. Mas os irmãos, contrariando o discurso
“antipolitiqueiro” de Acrísio, queriam cargos e romperam com o governador. Para
complicar a situação do “Prefeito do Povo”, o candidato de Acrísio à
prefeitura, deputado Eretides Martins (PR - de São Gonçalo do Amarante, que
fazia parte do colégio eleitoral dos Moreira da Rocha), perdeu para o de
Faustino, elegendo-se Paulo Cabral (UDN). Somente na eleição seguinte, 1954,
Acrísio deu o troco, voltando ao poder municipal, superando o udenista Raimundo
Girão, o historiador e ex-prefeito, fundador da Coluna da Hora.
Acrísio Moreira da
Rocha faleceu no dia 21 de fevereiro de 2004, aos 96 anos , em sua residência, na rua
São Paulo, uma mansão que ia até à Av. Francisco Sá (Jacarecanga), hoje alugada
à Secretaria de Segurança Pública. O túnel sob a Via Expressa (Av. Henrique
Sabóia) e a Av. Santos Dumont, é denominado Acrísio Moreira da Rocha. Já a rua
Deputado Moreira da Rocha homenageia seu irmão, Crisanto, embora o seu pai, Dr. Manuel, chefe político republicano, e seus irmão Péricles figurem como destaque na história política cearense. Muitos cidadãos,
vivos, guardaram as lembranças daquela época, cujas nuances políticas não diferenciava
tanto da atual.
Abrigo Central e a 4400 (Lojas Brasileiras) ao fundo. |
Fontes: "Fortaleza de Ontem e de Hoje" (Nirez); jornais: Gazeta de Notícias e Tribuna do Ceara´.
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