Rachel de Queiroz - Parentesco com Barbara de Alencar e Elvira Pinho - Nasceu na casa de Tristão Gonçalves e de Ana Triste.

 

A Casa em que nasceu Rachel de Queiroz
Por Hugo Victor. Jornal O Povo, 14/03/1949
 

Fortalezense e não de Guaramiranga - A tradição histórica do velho prédio da antiga Rua Amélia - Pesquisas genealógicas - O registro de nascimento da escritora.


 

Jornal O Povo. Matéria de Hugo Victor



Publiquei na edição especial de aniversário do Correio do Ceará despretensioso trabalho de apontamentos sobre casas desta capital em que nasceram diversos fortalezenses ilustres, e só após isto me foi dado identificar outra que teria sido, naturalmente, indicada se o soubera em idênticas condições: a em que nasceu Raquel de Queiroz.

Não só em virtude de uma crônica de Monteiro Lobato, como por informações que a mim prestou distinta senhora, sua prima em primeiro grau, considerava eu como tendo sido Guaramiranga o berço da notável escritora, a quem as letras nacionais devem primores de inteligência, cultura e arte estatística.

A reveladora

Já agora é questão pacífica: Rachel de Queiroz é fortalezense. Revelou-nos a grande e prestativa amiga, professora Alba Frota, a quem me foi dado encontrar, por acaso, e interessado em esclarecer o assunto, indaguei a respeito. Não satisfeita, e embora tivesse certeza, Alba Frota telefonou-me no dia seguinte para corroborar a afirmativa, entendido como se havia, com a ilustre genitora daquela a quem o meu saudoso amigo e mestre Antônio Furtado chamava de “excelsa Rachel”.

Uma casa histórica

Antes de mais nada, falemos da casa em que nasceu, que guarda a mais honrosa e brilhante tradição, pois pertenceu, e nela residiu durante os trepidantes dias do movimento de 1824, no Ceará, uma das maiores figuras da história cearense: o bravo tenente coronel Tristão Gonçalves, presidente da efêmera República do Equador, cuja cabeça foi posta a prêmio pelo almirante Cochrane, marquês do Maranhão, e preferiu morrer lutando em defesa dos seus ideias, na jornada sangrenta do Altos do Andrade, a meia légua da capela de Santa Rosa, a margem do Jaguaribe, a 31 de outubro daquele ano.

Tristão Gonçalves é tetravô materno de Rachel e casa pertence, hoje, ao senhor José Cândido Cavalcante Filho, à rua Senador Pompeu.

Numeração

Nos lançamentos das décimas, pela Câmara Municipal em 1874, consta sobre ela na rubrica: Imposto de Calsadas: Rua da Amélia n° 79. Casa da viúva orphams do finado Tristan – 1$800.

Quando faleceu a grande heroína e mártir D. Ana Tristão, viúva de Tristão Gonçalves, a 15 de outubro de 1874, seu neto, Joaquim de Macedo Pimentel, tutor das órfãs, suas sobrinhas, Elvira e Marta, requereu, a 16 de outubro de 1875, inventário dos bens deixados, sendo inventariante sua mãe, Maria Araripe Macedo, já viúva também, e antes de casar, Maria Dorgival.

Funcionou como escrivão ajudante dos autos Antônio Filino Barroso, o venerando coronel Filino Barroso, hoje com os seus quase jovens cento e dois janeiros sob o teto do seu eminente filho, o escritor Gustavo Barroso, no Rio. Consta: Declarou a Inventariante que, por morte da Inventariada, ficou uma morada de casa térrea na Rua Amélia desta cidade, número cento e quatro, com três portas de frente, que posteriormente abriram outra, que foi avaliada por treze contos de réis 3:000$000.

Mas eram quarenta e três herdeiros, inclusive filhos e netos, alguns ausentes em lugar não sabido, resolvendo, então, o juiz de órfãos Dr. Antônio Coelho Machado da Fonseca mandar o imóvel à hasta pública. Posta em arrematação, foram feitos vinte pregões sem licitantes, em virtude do que, a 17 de julho de 1877, dois anos após o inventário, e com edital publicado no jornal conservador Pedro II, o juiz determinou que fosse a leilão. Realizaram-se três, na sala das audiências sem que, também, não aparecesse arrematante, dando-se então a partilha. Coube à meeira o maior quinhão, e a diversos herdeiros pequenas parcelas. Os outros tiveram parte num sítio em Pitaguari, em escravos, joias, móveis e utensílios.

Quando Rachel de Queiroz nela nasceu, no mesmo dia em nasci, mas doze anos depois, tinha a casa o número 86; hoje tem 814 e reformada.

Um pouco de genealogia

O dr. Espiridião de Queiroz, no seu magnífico “Uma Família do Sertão”, discriminou, miudamente, toda a genealogia dos ascendentes da emérita escritora, mas pouco se sabe, ao que presumo, em relação ao seu lado materno.

E, com a devida vênia dos outros genealogistas cearenses, valendo dos dados do inolvidável Barão de Studart, dos livros de cartório e do, atualmente, bem organizado arquivo da Cúria Metropolitana, aí temos um pouco da ascendência de Rachel.

O tenente coronel Tristão de Alencar “Araripe” (sobrenome de guerra, muito comum ao tempo da revolução), nasceu em Salamanca, município de Barbalha, em 1790, e d. Ana Triste de Alencar Araripe no Crato a 16 de fevereiro de 1789. Ele, filho do português José Gonçalves dos Santos e da notável Barbara Pereira de Alencar (que o padre Antônio Gomes descobriu, há pouco, ser pernambucana) e ela filha do famoso capitão-mor Joaquim Ferreira Lima e da d. Desidéria Maria do Espírito Santo. Casaram-se no Crato em julho de 1810, e do matrimônio houve sete filhos (o quarto dos quais Tristão de Alencar Araripe, pai de Araripe Junior, fundador da Academia Brasileira de Letras). Todos naturais do Crato, e a mais moça, d. Maria Dorgival d’Alencar Araripe, falecida em Fortaleza a 21 de dezembro de 1887, casou-se nesta capital, no sítio “Corgo”, a 18 de junho de 1836, com o seu primo em segundo grau, também cratense, Joaquim de Macedo Pimentel, filho de Antônio de Macedo Pimentel e de d. Maria Joaquina de Lima. Foi celebrante do casamento o Revdmo e exmo senador do Império José Martiniano de Alencar (pai do José de Alencar e tio da noiva, uma vez irmão de Tristão, com quem fez a revolução de 1817, padecendo ambos nos cárceres da Bahia, e foi o maior governante de todos os tempos), servindo de testemunhas o tenente coronel João Franklin de Lima e Pedro Jaime d’Alencar Araripe. Joaquim de Macedo Pimentel faleceu em Fortaleza a 16 de junho de 1850, deixando três filhos: Maria, de 16 anos, Joaquim, de 11, e Tristão, de 6, herdando cada um 323$791.

Maria, a mais velha, casou em Fortaleza, na Capela Episcopal, às 10h e 30 min de 23 de julho de 1864, com Cícero Franklin de Lima. Major Cícero da Monguba (falecido na casa na casa do seu genro e depois general Francisco Benévolo, e que é a mesma casa em que nasceu a escritora, a 30 de dezembro de 1906). O casamento foi celebrado pelo padre Antonino Pereira de Alencar, tio afim da noiva, tendo como paraninfo o desembargador conselheiro Francisco de Farias Lemos, que foi presidente da província e era pernambucano, casado duas vezes com cearenses; e o Dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe, conselheiro, senador e Visconde do Jaguaribe.

Os avós

Um dos filhos do major Cícero e de d. Maria de Macedo Lima, o engenheiro prático e assaz competente, Rufino Franklin de Lima, casou-se em Baturité com a d. Maria Luiza Saboia Lima, filha do Dr. Gerson de Saboia e de d. Amélia Matos de Saboia, filha do afamado cirurgião Francisco José de Matos, fabricante das Pílulas de Matos, baturiteense.

Os pais

Nascida em Fortaleza, à Rua Formosa (Barão do Rio Branco) a 10 de julho de 1892, d. Clotilde de Franklin de Lima, filha do engenheiro Rufino e de d. Maria Luiza, casou-se com do dr. Daniel de Queiroz Lima na mesma casa do então n° 86, a 8 de janeiro de 1910, presidindo o ato o juiz de direito da 2° Vara de Fortaleza, dr. Francisco Joaquim da Rocha, lavrando o termo o oficial do Registro Civil Lindolfo Cícero Gondim. Foram testemunhas os drs. João Franklin de Alencar Nogueira (primo da noiva) e José Alves de Souza, ambos engenheiros, e d. Leonília Cabral de Alencar e Doride Benévolo.



1958. A casa como sede do jornal O Democrata.
Dir. Annibal Bonavides (Acervo BN)



O registro da escritura

Desse feliz enlace nasceu no mesmo ano, tendo o Dr. Daniel pago multa, por não ter procedido ao registro nos três dias prescritos pela lei de então, após o nascimento, a que viria a ser expoente da literatura.

Está lançado à página 94 do Livro 16 de Registro de Nascimento do Cartório João de Deus, o seguinte:

N° 422. Aos vinte e nove dias de mil, novecentos e dez, nesta Cidade da Fortaleza, do Estado do Ceará, em meu cartório compareceu o Doutor Daniel de Queiroz Lima, advogado, casado com D. Clotilde Franklin de Queiroz Lima, natural desta Capital, onde se receberam em matrimônio e residem, e perante às testemunhas abaixo assinadas, declarou que no dia dezessete deste mês, às onze horas do dia, à rua Senador Pompeu, número setenta e seis, sua mulher deu à luz a uma crina do sexo feminino de nome Rachel, sendo seu avô paterno o Doutor Arcelino de Queiroz Lima e D. Rachel de Queiroz Lima; maternos: Rufino Franklin de Lima e D. Maria Luiza Saboya de Lima. E, para constar, eu, Lindolfo Cícero Gondim, Oficial de Registro Civil, lavrei este termo (depois de exibido o conhecimento de quitação da multa imposta pelo Doutor Juiz de Direito da Segunda Vara nesta Capital, cujo conhecimento fica arquivado em meu Cartório) que comigo e as testemunhas assinam o declarante, Lindolfo Cícero Gondim, Daniel de Queiroz Lima, Affonso Lima, Macrino Peixoto.

É, pois, genuinamente fortalezense a autora de O Quinze – inicia da sua consagração literária.

 

 

Nota do Blog

 

O autor da matéria, brilhante poeta, jornalista e historiador Hugo Victor de Guimarães e Silva, era piauiense de Floriano. Tamanha colaboração com a memória do Estado vizinho, tornou-se membro efetivo do Instituto do Ceará

Tristão Gonçalves não foi presidente da “República do Equador”, mas presidente da Província do Ceará durante a adesão à Confederação do Equador.

Constam como bens de Tristão Gonçalves escravos, conforme partilha do inventário. Comum na época, pois até padres os possuíam.

D. Clotilde, nascida em Baturité, mãe de Rachel de Queiroz, era neta do general Francisco Benévolo (matemático e musicista), que residia na casa (primitiva de Tristão Gonçaves) onde a escritora nasceu e na qual faleceu o bisavô de d. Clotilde, Cícero Monguba. Como Francisco Benévolo era irmão da professora, pianista e abolicionista Elvira Pinho, ambas eram parentas.

A genealogia, segundo Hugo Victor, mostra Tristão Gonçalves tetravô de Rachel de Queiroz por parte de mãe.

A casa onde nasceu a escritora é citada com as seguintes numerações, lembrando que já não existe e que a Rua d’ Amelia é a Rua Senador Pompeu:

Rua d’ Amelia, 79

Rua d’ Amelia, 86

Rua d’ Amelia, 104

Rua Senador Pompeu, 79

E quando foi demolida para uso comercial: Rua Senador Pompeu, 814.


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