A Fortaleza em 1810. Por João Brígido (Jornal Unitário)

 

Governador do Ceará, Barba Alardo (1808 - 1812)

 

João Brígido

O governador Barba Alardo não só levantou a primeira carta da Província, depois das plantas da Barra do Ceará pelos holandeses - conservadas por Barlaeus em seu precioso livro sobre o governo Nassau, como mandou estudar o porto de Fortaleza pelo capitão de fragata Francisco Antônio Marques Giraldes, o qual tirou sua planta, em perspectiva de população olhada do mar, trabalho repetido pelo Governador Sampaio (1812 - 1820) e enviado para o Arquivo Militar no Rio de Janeiro. Dele copiou o distinto cearense capitão Antônio Américo, a quem devemos a exatidão da cidade de então na sua parte marítima.

Tratemos, na primeira parte, do Mucuripe, onde existia um pequeno promontório de face ocidental, na extremidade norte, um fortim que servia de vigia. Seguindo-se a este, os fortes de São João do Príncipe, Carlota e Bernardes (ou, como dizes outros, São Bernardo). Ao lado do forte Carlota, para o nascente, havia uma casa construída de pedra que servia de quartel, e ao lado dela uma menor, que fazia de apêndice, depósito de pólvora. Nada mais além dessas edificações.
O quartel do Mucuripe, mandado edificar em 27 de maio de 1801 e concluído em 6 de setembro de 1802 pela Junta da Fazenda, custou 545$900, o que não era pouco para a época. Completavam o sistema de fortificações, por sinal bem frágeis, com parte de redutos de madeira, um frondoso juazeiro no extremo norte, à beira dágua, ponto de reunião de pescadores; e uma fonte de água potável no poente, que as areias soterraram.
Na enseada que hoje se acha a povoação chamada de Mucuripe encontrava-se apenas uma edificação, com uma porta no oitão e duas janelas na frente. Dali, em direção à Vila, a praia era despovoada até se confrontar com recife, na barranca ao norte, encontrando-se seis casas de palha em alinhamento e outras três dispersas na baixa. Dava-se a essa região de Prainha.
Ao norte dessas residências ficava uma ponte de desembarque e, ao seu lado, um reduto de madeira, cheios de vãos de areia, um verdadeiro entrincheiramento com duas peças de pequeno calibre.
Para se ter ideia dessa região, figura-se que não existia a esse tempo os morros que hoje obstruem o sítio conhecido por Papi, que a barranca, sobre a qual está erguida a ermida da Prainha, corria livremente para o sul; e que os terrenos onde foi edificada a Alfândega, atualmente em ruínas, eram salgados, assim como as ruas que correm pelo fundo e ao lado do mar.
Ainda na primeira administração do Senador Alencar, o engenheiro francês J. F. Seraine fazia aterramentos nessa região. Aliás, onde está o prédio do Conselheiro Araripe*, Rua do Chafariz, n° 1, existia uma casa que se chamava Prensa, mais ou menos onde se fez mais tarde a alfândega primitiva servida pelo trapiche que ficava em frente à casa edificada pelo inglês Ellery, na Rua da Alfândega, 15.  Atrás dela, colocou-se um morro onde foi visto o mar navegado por sumacas que demandavam o trapiche da Carreira do Sul.
Na barranca, um pouco ao sul do alinhamento do atual Seminário, havia duas casas, uma delas de aparência sofrível. Logo abaixo da Prensa, havia outra para recolher alvarengas e outros dois prédios usados para controle do tráfego do porto. Concluindo, desde a Ponta do Mucuripe, formavam a vista do mar casas pequenas, choupanas, na praia ou sobre as dunas, ali em total de 37, incluindo um pequeno paiol de pólvora na extremidade norte, local hoje ocupado por um ângulo do Passeio Público.
O fortim da cidade estava ao lado do quartel, a ele sucedendo a fortaleza a qual cogitava Barba Alardo, recolhendo donativos de costume. Dos quais, recebeu do capitão-mor dos Inhamuns, José Alves Feitosa, 700$000 (setecentos mil réis), ato de generosidade de que lhe valeu o hábito de Cristo. Obra cuja construção iniciou-se, durante a administração do Governador Sampaio, em 12 de outubro de 1812, concluindo-se a 17 de agosto de 1822, período em que as águas do mar lambiam a muralha, sempre com donativos oriundos do plantio de algodão, que só em dinheiro perfizeram a soma de 16:103$267 (mais de dezesseis contos de réis). E em retribuição os produtores enviavam ao governo amostras de tucum e de croatá visando a possibilidade de torná-los produtos de exportação. Na época, o algodão regulava de 16 a 17 mil arroubas por ano.
Em maio de 1811, estabeleceu-se na Fortaleza a primeira casa estrangeira de comércio direto, sendo o seu fundador o irlandês William Wara, que chegou pelo bergantim inglês Sophia e Berthse.
Barba Alardo fundou na Fortaleza uma fábrica de louça vidrada no Outeiro, produtos tão bons como os da Bahia, escrevia em ofício de 31 de agosto de 1809 para o Conde de Linhares. Hoje, porém, desconhece-se o lugar onde essa fábrica se localizava. Naturalmente sucumbiu por falte de consumidores, contando a Província com apenas 150 mil habitantes e comércio portuário exclusivamente por Aracati.
A população da Fortaleza, dizia o governador Barba Alardo em um memorial dirigido ao rei em 18 de agosto de 1814, não excedia três mil habitantes. Porém, o viajante inglês Henri Koster, que ali esteve entre 16 de dezembro de 1810 e 8 de janeiro de 1811, embarcando e desembarcando pelo porto com mercadorias levadas nas cabeças dos trabalhadores que entravam pelas ondas, julgou que não excedia de 1.200 habitantes.
Em 1809, o governador conseguiu com que comerciantes locais enviassem o primeiro navio, a galera Dous Amigos para Londres com produtos da terra e amostras de algodão.
No ano de 1810, saíram pelo porto da Fortaleza, com destino a Pernambuco, as sumacas Triunfo do Mar, Galeão, Athlante, São Romão e “Triunfo” com destino à Inglaterra, o brigue Gavião, a escuna Ligeira (dita Flor de Maio) e a galera Alardo de Menezes (nome do governador), esta tomada por dois corsários franceses de Dieppe. Todos carregaram 3.385 sacos de algodão com 11.271 arroubas.
Portanto, foi justamente no período de Luiz Barba Alardo que o bairro marítimo da Vila, com o eu porto, passou a ter algum incremento, sendo o governante, com o suporte dado à produção de algodão, o criador do comércio direto do Ceará, até então reduzido à permutas com Pernambuco, com novas rotas.


Notas:
 
João Brígido dos Santos, advogado e jornalista fluminense radicado no Ceará desde 1850. Foi deputado provincial estadual, deputado federal, senador e fundador do Jornal Unitário na capital cearense, onde faleceu em 14 de outubro de 1921.

 



Observações:


Brígido menciona um fortim militar na ponta do Mucuripe no início do século XIX e provavelmente a origem do sítio arqueológico encontrado em 2023 durante a restauração do Farol do Mucuripe, fato que os escavadores suspeitam ser os restos do “Forte de São Luiz”, tratado por Gustavo Barroso em artigo na revista Cruzeiro.
Cita que a “ermida” (igreja) da Prainha localiza-se na barranca de um sítio chamado “Papi”.
Curiosa construção do Forte de Nossa Senhora da Assunção, com a água do mar tocando no paredão.
E a fábrica de louças de vidro fundada por Barba Alardo no Outeiro (da Prainha) que teria falido por falta de consumidor....e de infraestrutura, lógico.
*Conselheiro Araripe: historiador Tristão de Alencar Araripe. 

Parte dessa narrativa de cunho jornalístico foi descrita na Revista do Instituto do Ceará pelo pelo seu membro, e brilhante historiador, Carlos Studart Filho.



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